Fugas - voltaaportugalem80dias

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De Melgaço a Vila Nova de Foz Côa: A viagem é de quem a apanha

Restavam-nos, por isso, duas opções: ir por Melgaço e Valença, como aconselhava a prudência, ou seguir pela serras da Peneda e do Soajo, bem no coração do parque natural. Está fácil de ver que escolhemos a segunda. Conduzir à noite pode ser um perigo, é certo, sobretudo num território como este, aqui e ali debaixo de chuva e nevoeiro cerrado, mas há uma dose de magia e desafio com a qual o dia dificilmente poderá combater. Sobretudo quando uma manada de cavalos garranos resolve barrar-nos a estrada, indiferentes aos relatos da sua reconhecida pacatez. Como que Portugal, a Natureza e viagem a cumprirem o seu destino.

Portunhol em Rio de Onor

Trás-os-Montes, finalmente. Não temos nada contra as cidades — Chaves e Bragança, por exemplo, são duas cidades históricas bem preservadas que vale a pena visitar com calma —, nem vamos às aldeias em busca de momentos caricatos, quais exploradores cosmopolitas munidos de superioridade saloia, mas é de um Portugal distante que continuam a sair alguns dos nossos melhores momentos.

Até porque, em última instância, somos todos filhos, sobrinhos, ou netos da província. Neste caso, passou-se no Parque Natural de Montesinho, em Rio de Onor, tantas vezes descrita como a última aldeia comunitária de Portugal. E por comunidade leia-se Portugal e Espanha, uma vez que a aldeia é dividida ao meio pela fronteira. Será que ainda subsiste este espírito? Era sobre isto que nos questionávamos quando vimos um casal a fazer aguardente, alambique montado na rua, sorriso curioso à nossa passagem.

“Sondes da Bolta a Portugal em bicicleta”, pergunta Luís, espanhol, “lá da outra banda”. Perpétua, a mulher, explica-se. “Temos um sobrinho que anda muito bem. Já foi à selecção. Mora no Porto. A maior parte das pessoas que moravam aqui saíram. Nós vivemos quase sempre aqui.” Falam à vez, rápidos no gatilho, sem se atropelarem, contudo. “Eu trabalhava dois dias e vinha descansar três para aqui.

Desde que estou reformado trabalho todos os dias. Tendes que provar a nossa aguardente.” O melhor é deixar de usar estas expressões em portunhol, por respeito ao rionorês, dialecto local que ainda não desapareceu por completo. Provámos, pois, só um bocadinho, mas provámos, que o carro não anda sozinho e por esta altura o volume alcoólico ronda os 60 graus. Copo puxa conversa, é uma história antiga, já se sabe, sobretudo connosco, e por ali ficámos durante uns bons minutos a ouvir histórias que raramente chegam aos telejornais. Até porque os telejornais nem sempre passam aqui.

“Ainda há algum tempo estiveram aqui uns jornalistas da televisão a fazer uma reportagem sobre a TDT. Somos uma zona sombra. Resta saber se vamos conseguir ver. É o que temos. No tempo da ditadura roubava-se menos, só era pena que não houvesse liberdade. Eu não defendo a ditadura, só tenho pena que os ditadores bons não sejam democratas, porque com esta democracia não vamos lá.

” Ninguém se queixou da vida, apenas do país. A conversa foi interrompida por Sofia, dona Sofia, que, para nosso espanto, apareceu vinda do monte com um par de cornos de veado na mão. “O que aqui não falta é veados. Dão cabo de tudo. Não sabiam que os cornos dos veados caem e se renovam todos os anos?”

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