A imagem é inesperada: um grupo vestido com túnicas no rio — o suficiente para o carro parar na estrada e percebermos as submersões ritualizadas. Não é uma cena da Bíblia mas a inspiração é toda bíblica — um baptismo colectivo, “um renascimento para uma nova história escrita por Deus”, explica-nos a pastora Ângela, da Comunidade Paz e Vida, igreja evangélica. Já estamos nas margens do rio Zêzere, a poucos metros do sítio em que se une ao Tejo — é Constância (39° 28′36″N 8° 20′19″W) o cenário que temos nas nossas costas, abraçada por dois rios e trepando incansavelmente, alva, até à sua igreja matriz, que a tudo preside serenamente.
Da praia fluvial, não vigiada, e do jardim em cima, pérgulas e árvores frondosas (algumas das quais com os troncos aconchegados por vestimenta de malha e crochet colorida), tiram-se fotografias. Há autocarros estacionados, muita gente já com o piquenique montado. “É a primeira vez que fazemos o baptismo aqui”, conta Ângela, “antes era em Valada. O pastor achou bonito e podemos confraternizar”. Havemos de ver Rosa Maria Pedro a passear pelas ruas da vila, mas por agora está demasiado comovida. “Fiquei tão em êxtase…” Foi a primeira baptizada de hoje. “Sentia-me incompleta, andava desencontrada e agora… Não foi uma experiência, era uma necessidade que sentia”. Tem 56 anos e acaba de renascer.
Uma hora antes, o cenário é diferente. Algumas pessoas banham-se no rio, Tiago arranja os caiaques da Cubo Aventura para descer o Tejo até Vila Nova da Barquinha. Normalmente são grupos maiores — hoje 16 pessoas — e costumam estar seis ou sete empresas a operar nesta zona. Estão três, calculamos pelos grupos de embarcações dispostas no cascalho da praia-que-não-o-é — a mais próxima é Rio de Moinhos, um pouco mais a montante. Oferecem o mesmo tipo de produto, mas por zonas diferentes, conta Tiago, na órbita do Nabão, Tejo e Zêzere.
É o Zêzere que Luís de Camões, imortalizado em estátua por Henrique Lagoa, deveria estar a mirar, da porta do Jardim-Horto que tem o seu nome; ao invés, tem a sua vista obstruída pelo miradouro do Zêzere. A tradição oral atravessou séculos e diz que Camões terá vivido em Constância (então Punhete, a “Pugna Tagi” romana) entre 1548 e 1550, desterrado por culpa dos seus amores com D. Catarina de Ataíde, aia da rainha. Certo é que “os trisavós de Camões foram senhores das terras que iam de Constância até ao Sardoal e a maior parte dos seus amigos era daqui”, conta-nos Conceição Gomes, há 12 anos no jardim-horto. Além disso, o poeta refere na sua obra Belisa, anagrama de Isabel, que vivia no Palácio da Torre e por quem se enamorou.
A torre já não existe, a casa onde se diz que Camões terá ficado tão-pouco — a Casa-Memória já não é a casa quinhentista de arcadas e vista para o Tejo, é um moderno edifício à espera de um centro de estudos camonianos. Memória imaterial, portanto. Mais material é o jardim-horto, onde se reúne toda a flora referida pelo poeta na sua obra. Aqui estão 52 espécies botânicas, desde a singela giesta à canforeira de madeira perfumada ou a árvore de canela (raspe-se um pouco do tronco para sentir o cheiro intenso), identificadas e com extractos da obra.