Fugas - restaurantes e bares

  • Procópio
    Procópio Nuno Ferreira Santos
  • Foxtrot
    Foxtrot Nuno Ferreira Santos
  • Cockpit
    Cockpit Nuno Ferreira Santos
  • A Paródia
    A Paródia Miguel Manso
  • Americano
    Americano Miguel Manso
  • Finalmente
    Finalmente Miguel Madeira

Estes bares "espelham a cultura lisboeta"

Por Mara Gonçalves

Está-se em muitos deles como em casa e isso, acreditam, é meio segredo para a longevidade. A maioria nasceu na euforia do pós 25 de Abril, outros antes disso. São casas de afectos, bares e discotecas que vêem Lisboa passar de geração em geração para se transformarem em parte do património vivo da cidade.

Tocamos à campainha. Não se ouve nem se vê vivalma, apenas o ténue reflexo das luzes acesas no interior contra o vidro da porta. Uma trepadeira sobe a fachada pitoresca, o chafariz mantém-se como “uma saudação que enternece o maior malvado”, como descreveu José Cardoso Pires no seu Lisboa: Livro de Bordo. Não há qualquer letreiro a indicar que estamos no sítio certo — sabemo-lo porque não é uma estreia. Será que ainda não abriu? Começamos a duvidar quando Luís nos recebe de sorriso cordial, colete sobre camisa branca, papillon. Ao final de tarde de uma sexta-feira, o Procópio ainda está quase vazio, mas não tardará a encher. As conversas inundam a sala ao ritmo da campainha — e ela não pára de tocar.

O Procópio foi o primeiro bar inaugurado por Luís Pinto Coelho, o decorador e gestor hoteleiro que mais tarde abriria A Paródia, o Foxtrot e o Pavilhão Chinês, imprimindo o seu cunho no conceito de uma mão cheia de outros. Estávamos em 1972 e aqui convergiam políticos, empresários, juristas, diplomatas, artistas, espiões, jornalistas. “A revolução praticamente aconteceu aqui. Era tudo a conspirar”, recorda Alice Pinto Coelho, que fundou o Procópio com o marido e gere-o desde 1974, ano em que se separaram. Jornalistas portugueses e estrangeiros, conta, faziam fila junto ao telefone para informarem as redacções do que aqui se debatia, se planeava, se segredava. Tornou-se bar de culto, uns dos primeiros espaços nocturnos em Lisboa “onde as mulheres podiam entrar”. “Vinham ao final da tarde, para beber chá, comer torradas e olhar para o bar”, recorda. Alice tem hoje 79 anos e terão sido poucas as noites em que não se sentou no último banco junto ao balcão. “Até me custa não vir cá.”

Grande parte da “fauna de mescla pouco provável” que ao longo das décadas se juntava no Procópio reunia-se em volta de uma única mesa: a Dois, escreve o antigo embaixador Francisco Seixas da Costa no livro sobre a história do Procópio, publicado em 2007. A esta hora, a segunda mesa a contar do canto diagonalmente oposto à porta (se as coordenadas não forem suficientemente precisas, pergunte ao Luís, figura de cordialidade icónica, há 20 anos na casa) está completamente cheia. Mas o grupo é bem diferente. Estão entre os 25 e os 35 anos, trabalham numa start-up portuguesa e conversam todos em inglês para que o colega lituano, director de tecnologia da empresa, os compreenda. Foi Pedro, 26 anos, que trouxe a equipa da Chic by Choice. Os pais vinham cá quando tinham a idade dele; ele veio pela primeira vez há dois meses. “Tinha gostado muito. É muito peculiar”, conta entre golos de cerveja belga. A Tadas, 30 anos, o ambiente “acolhedor” e o estilo da decoração — madeiras escuras, veludos vermelhos, candeeiros art nouveau sobre as mesas — lembram-lhe os bares antigos que frequentava em Berlim, onde viveu cinco anos. E o Foxtrot, junto à Praça das Flores, onde já tinha ido há uns tempos. Passamos por lá mais logo, pode ser? Agora subimos a Campo de Ourique para um copo n’A Paródia.

[Quando, horas mais tarde, voltarmos ao Procópio para falar com Alice, já a Mesa Dois recuperou parte do seu histórico legado, reunindo elementos do Partido Socialista, cuja sede fica a dois passos, no Largo do Rato.]

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