Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Francisco Lodeiro

A cozinha sem disfarces da Galiza

Por Francisca Gorjão Henriques

Na edição anterior da Fugas demos-lhe conta de como a gastronomia galega se tem vindo a impor. Esta semana, entramos em fábricas, visitamos mercados e sentamo-nos à mesa dos restaurantes. E confirmamos: na Galiza, a cozinha é um assunto sério.

A Primavera também está invernosa na Galiza. Sopra um vento norte que enregela, a chuva cai a espaços, anda-se com os olhos no passeio e em passadas largas. Mas, no fundo, não está mal para aquilo a que nos propusemos: comer.

Passa-se ao largo de Arteixo, uma zona de indústria têxtil, onde Amancio Ortega, natural daqui, fez crescer o seu império, o grupo Inditex (da Zara). Não é atracção turística, mas tornou-se uma referência incontornável para comentar numa viagem de carro entre a Coruña e Cerceda. O que se vê da estrada são eucaliptos atrás de eucaliptos e manchas amarelas da giesta em flor. Será assim até nos aproximarmos da Porto Muiños.

A fábrica fica no centro de um pólo industrial e ninguém diria que lá dentro se esconderiam coisas tão delicadas como alfaces-do-mar e ovas de ouriço.

Quando Antonio Muiños e a mulher, Rosa Mirás, se viraram para o que ele chama de “legumes do mar”, depois de pouco sucesso com a produção de cogumelos, ninguém lhes ligava. Estávamos em 1998 e pouca gente (no Ocidente) não torceria o nariz ao ver uma alga servida ao jantar. “É um produto difícil”, comenta António Muinõs. “‘Isto come-se? Como é que se come?’ As pessoas estavam habituadas a vê-las na praia e não no prato.” Até que os chefs começaram a falar delas, os media também, os bloggers foram atrás. Os nutricionistas reconheceram-lhes valor e louvaram as suas qualidades e vantagens para a saúde.

Agora, estes legumes marinhos tornaram a marca Porto Muiños conhecida entre os chefs espanhóis e não só — ou terá sido, como diz Antonio, o Porto Muiños a trazer a boa fama de que as algas gozam nos restaurantes de topo? “Fomos os primeiros em Espanha e um exemplo para muitos países. Os grandes chefs estavam a fazer coisas com produtos novos e achámos que poderiam ter interesse. E eles começaram a ver que havia aqui um mundo diferente, com diferentes texturas.” A seguir afirma: “O grande salto será usá-las nas receitas de casa. E já está a acontecer.” Aposta que se colocarmos wakame nos pastéis de bacalhau eles ficarão mais leves e digestivos, “e continuam a ser pastéis de bacalhau”.

Mesmo nas conservas que fazem aqui — amêijoas, mexilhões, berbigão — as algas têm uma presença forte. Também comercializam saladas de algas, arroz de algas, molho de algas, caril de algas...

O filho de Antonio é um dos mergulhadores da empresa. Naquele dia, como o mar do Norte da Galiza estava bravo, teve que ir para o Sul. As algas são apanhadas à mão, “de forma sutentável”, assegura-nos. Trezentas e cinquenta toneladas por ano. Uma parte será seca e usada em conservas — cerca de 60% da produção —, a outra vai para hotéis e restaurantes. A recolha é feita de manhã bem cedo, para poder seguir para os clientes durante a tarde e chegar ao destino ainda fresca.

Em cima de uma mesa de inox, sobre papel branco, está uma enorme variedade de algas, em vários tons de castanho, outras verdes, algumas com formas mais esguias, outras mais curtas e recortadas. Os limos compridos que Antonio Muiños segura na mão, como se fossem uma cobra, podem crescer até 10cm por semana, explica, agarrando pela “pega” com que a alga se cola à rocha. “O tipo de mar e de costa tem influência. As algas grandes, como esta, precisam de uma costa protegida, já as mastocarpos (também chamadas de musgo estrelado) e as glacilárias (de cor avermelhada) são mais rijas e não precisam de tanta protecção.” O musgo da Irlanda gosta de mar batido, a rama-do-mar, que tem “sucesso na confecção de tempura”, também. Mas “as mais delicadas estão abaixo dos quatro metros e nunca ficam expostas na maré baixa”. As especificidades continuam: as nori só há no Verão e nas praias onde há uma mistura de pedra e areia — “precisam que a areia lhes faça uma ‘massagem’”, brinca. Depois, cabe ao sol limpá-las. “São trituradas para fazer a folha que é usada no sushi.”

--%>