Fugas - dicas dos leitores

Deli, cidade poética

Por Maria João Castro

Por instantes, suspensos numa jornada anacrónica e irreal, simultaneamente fictícia e verdadeira, regresso a Deli, a cidade alquimia e poética.
A primeira sensação à saída do aeroporto é a de um bafo sufocante e húmido ao qual se junta uma movimentação alucinante de gente, carros, gritos, encontrões, tabuletas informativas, altifalantes, tabaco e luzes de néon.

No meio da balbúrdia caótica, surge o nosso guia Ashok, que, contra tudo o que nos é dado a ver, exibe uma calma imperturbável. Abre os lábios num sorriso tímido, junta a palma das mãos e faz uma pequena vénia, cumprimentando-nos: Namasté!

Retribuo a saudação e, já no veículo, recebo umas primeiras e breves indicações, sendo depositada, pouco depois, no hotel. Adormeço e acordo mais cedo do que o combinado com o despertador. Salto da cama, tomo um banho e saio, desejosa de apreender essa Índia prometida.

A cacofonia das buzinas, a confusão de trânsito, desviam-me do mundo da reflexão, atirando-me bruscamente para a rua esburacada. A condução faz-se pela esquerda mas circula-se por onde há espaço, por entre carros que se misturam com riquexós, bicicletas, camiões, peões, camelos, elefantes, macacos, pessoas deitadas na terra e vacas, sempre muitas vacas. Welcome to India!

A primeira paragem é feita na Velha Deli, na mesquita Jami Masjid, a maior da Índia. O templo recorta-se sobre o Forte Vermelho, numa pintura mais sugerida do que real. A tranquilidade do seu interior contrasta com o exterior fervilhante de ritmo e azáfama. Detenho-me mais tempo do que o previsto, sentindo a macieza dos tapetes, o cheiro a incenso, os fiéis que dormitam sob as arcadas ou sussurram ladainhas ubíquas, as cores dos chinelos deixados à porta...

Não muito longe fica o Rajghat, o memorial onde Gandhi foi cremado. As suas últimas palavras, He Ram, estão inscritas numa placa de granito negro e os únicos toques de cor aqui são numerosas grinaldas de flores que propagam um perfume doce e quente.

A próxima visita é a Bangla Sahib, o grande templo sikh. Para entrar no edifício, de um branco imaculado e encimado por uma cúpula dourada, somos obrigados a deixar os sapatos à porta, o que é muito agradável, uma vez que o fresco e polido do mármore refresca as plantas dos pés, revigorando o espírito. Já no interior do santuário sikh, a música e os cânticos ajudam a engrandecer a esfera religiosa do conjunto. À saída, umas escadas dão acesso a um grande lago onde os fiéis descansam, molhando os pés. Sento-me à beira do tanque e aprecio as mulheres nos seus saris alegres, sob o fundo marmoreado do templo, enquanto os homens conversam envoltos nos seus coloridos turbantes.

No pára-arranca das visitas à cidade-palimpsesto vou dissolvendo os templos, por entre vacas e elefantes, subo para os riquexós e misturo-me com os transeuntes de todas as castas que pululam pelas ruas. Ofereço colares de flores frescas aos deuses e inspiro o inebriante aroma da comida acabada de fazer, desfocando os coloridos saris femininos que, sob o fumo desprendido dos incensos perfumados, ondulam na tarde eterna indiana.

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