Há algumas casas (com quartos para alugar) e restaurantes, dois deles sobre a água: observamos o movimento do barco de um dos restaurantes, que traz e leva clientes até às embarcações ancoradas na enseada. No centro - praça minúscula apinhada de carros - um grupo de franceses pesca no muro de cimento: a água é transparente, os peixes presa fácil.
Deste núcleo ao areal são alguns minutos de terra batida, seguindo a linha da costa feita seixos e recantos rochosos. A praia é uma meia-lua pequena, a areia em contraste com o verde atrás e o azul à frente. "Depois do início pedregoso é muito boa", diz Carlos Melo, que veio de Camarate com a família. "Disseram-nos que era giro e viemos conhecer." André, o filho mais velho, é o mais entusiasmado: "Quem está na água olha e parece que está no Rio de Janeiro", diz, mostrando as fotos. A sua única pena foi não ter ido até à ilhota rochosa que se avista. "Tem grutas muito bonitas. E há um barco a remos que leva muita gente."
Estamos no Parque Natural da Arrábida, onde as paisagens e a ocupação humana se unem em área protegida. Passamos aldeias, quintas, herdades; avistamos oficinas de azulejos, produções de queijo (de Azeitão) e as placas castanhas da Rota dos Vinhos surgem a recordar que este é território dos vinhos da Península de Setúbal. É o vinho que nos conduz à sede da Bacalhôa, em Vila Nogueira de Azeitão - mas não só: aqui, este caminha lado a lado com a arte. E tal é mais evidente na cave onde as barricas dos vinhos premium (Palácio e Quintas) repousam entre a colecção de azulejos do século XVI ao XX - a experiência é quase religiosa quando entramos na sala de luz rarefeita e música clássica a soar.
Este espaço é o núcleo, diríamos, de um grande edifício onde a arte e o vinho convivem, nem sempre tão directamente. Duas salas pertencem à arte: a exposição Out of Africa, em homenagem a Nelson Mandela, um mergulho (sobretudo) na escultura africana;What a wonderful world, um passeio por Paris à boleia da Art Noveau e Art Deco, aqui exibidas em mobiliário e ao som de Edith Piaf - com um salto ao portuguesíssimo Rafael Bordalo Pinheiro. Nas traseiras, é o Moscatel de Setúbal que envelhece.
"As pessoas ou vêm pela parte vínica ou pela arte", explica-nos Ricardo Gomes, director de enoturismo do grupo, enquanto nos vai mostrando os cantos à casa. A adega está à espera das vindimas, as vinhas estão na "fase de pintor" (o verde que vemos em breve será preto), os jardins pontuam-se de mais obras de arte - incluindo naturais, como as oliveiras milenares trazidas do Alqueva (entre as quais se avistam arcos de pedra: restos de uma antiga cervejaria vindos de Lisboa) ou a Kaki, descendente da única árvore sobrevivente ao bombardeamento de Nagasaki. Não natural é a Wall of Sound, obra de William Furlong: duas paredes de aço que se atravessam como se fora uma selva - os sons estão todos lá. "É muito assustador", ouviremos a uma miúda de um grupo escolar. "Tem um som estranho", completa outro.
Uma visita à Bacalhôa nesta região não fica completa sem uma passagem pela quinta homónima, em Vila Fresca de Azeitão. Foi propriedade da família real no século XV e talvez tenha sido essa ligação que atraiu a nobreza, que aqui instalou casas de recreio, escondidas por detrás de muros altos, algumas degradadas (como o Paço dos Duques de Aveiro). No interior do palácio, mais peças da colecção de arte de Joe Berardo (proprietário da Bacalhôa), incluindo um raro piano contraforte; no exterior, os jardins franceses contrastam com o edifício de traça italiana, destacando-se a loggia, onde o olhar vagueia até ao tanque e junto ao qual se ergue a "casa dos prazeres", a casa do lago, onde se encontram os azulejos mais antigos da propriedade. As vinhas rodeiam o palácio - Cabernet e Merlot. Na sede, a loja organiza provas de vinho, com vista para o jardim japonês.