Na estrada do sonho
Entre a vila e a costa, uma região que já foi eminentemente agrícola, saloia. Sucedem-se aldeias, pinheiros, moinhos de vento, campos abandonados entre muros de pedras arruinados. Mas já quase ninguém trabalha na agricultura, dizem-nos por todo o lado. Susana Vicente, no Café Matias, em São João das Lampas, explica como o pai, que foi cabouqueiro e agora está reformado, passou a dedicar-se à terra. "Aprendeu com os pais, viviam disso." Como ele, muitos com quem nos cruzamos em busca da ponte romana da Catribana - o último, José Tafulo, que vive em Assafora, a algumas centenas de metros dela. Não trabalha nos campos porque a saúde não permite, mas passou muitos anos a trabalhar nas pedreiras em volta, antes de arranjar trabalho na câmara. Reformado, está sempre disponível para conversas. "Quando vim para cá, há 45 anos, a ponte estava melhor. A terra começou a crescer e os resguardos vieram abaixo." Quando, finalmente, encontramos a ponte, é uma ruína que vemos. "Monumento de interesse público, em risco de colapso; projecto de conservação e valorização", lemos numa placa.
Fechamos o círculo em Sintra. Na vila velha abrimos caminho entre hordas de turistas que ocupam as ruelas principais, se sentam à sombra do Palácio da Vila (em obras), fazem fila em restaurantes e lojas, de artesanato, de doces (a Periquita I e II não pára), de vinhos. "Nestes dias, de muita gente, não corre bem. Só vêm passear", nota Adriano, no umbral da sua Porta 12, galeria e loja. Está no átrio a pintar a Tina Turner - "Não está a correr muito bem", diz, entre sorrisos. São os desenhos dos músicos que têm mais saída - "o que também é a minha praia, sou músico" -, mas é a iconografia portuguesa que nos atrai a atenção, como Camões a indagar "Has anyone seen my nymph".
Nas ruas passam coches a caminho da serra, as bicicletas continuam disponíveis para alugar. Pelas estradas que abrem caminho sobre o manto luxuriante de verde, são muitos os caminhantes à conquista da serra da Lua - mas são os carros que lhe dominam as entranhas, despejando visitantes para o Palácio da Pena e Castelo dos Mouros. Há quem faça desportos radicais e deslide dê a volta ao parque, mas as multidões caminham compactas pelos dois monumentos emblemáticos. Encontramos um pouco de paz em Monserrate; porém, há que confessá-lo, só conseguimos chegar quando o palácio estava quase a fechar (os jardins fecham mais tarde). Conseguimos visitá-lo calmamente, percorrendo salas preservadas e outras desgastadas, fotografando os corredores em arcos até à exaustão mas foi no parque que nos demorámos, espreitando as falsas ruínas da capela, desiludindo-nos com a pouca água na cascata. Mas, deitados no fundo do relvado, entre árvores gigantescas e olhando o lago de nenúfares, percebemos que Sintra já nos havia surpreendido. "Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...", escreveu Pessoa - nós nem precisamos do Chevrolet para o perceber.
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