Fugas - restaurantes e bares

  • Mara Carvalho
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Leonardo trouxe o espírito nórdico para uma horta à beira da praia

Ao mesmo tempo, Leonardo vai namorando com alguns sabores portugueses sem grande preocupação de encontrar etiquetas para tudo o que faz. “Formei-me como profissional de cozinha lá fora e acho natural que o meu trabalho reflicta a minha formação. Essa guerra entre o gosto português e o gosto de fora ainda não aconteceu na minha cabeça. Se calhar vai acontecer um bocadinho mais para a frente. Ainda não cheguei àquele ponto em que pergunto a mim próprio por que é que não pego num frango de churrasco e o tento colocar num prato. Talvez venha a acontecer. Mas levo as minhas batalhas um dia de cada vez.”

Diz-se “fascinado” pela cozinha do Norte de África e anda a pensar nas ligações com a cozinha portuguesa de há uns séculos, quando “tínhamos uma maior diversidade não só de iguarias mas de formas de confeccionar os alimentos”. Começou a interessar-se, por exemplo, pelas gemas de ovos, produto que a doçaria portuguesa tão bem trabalha. “Ainda ontem experimentámos cozinhar uma gema num garum [molho feito com as vísceras dos peixes fermentadas, que era muito apreciado pelos romanos]. A primeira coisa que fizemos aqui foi experiências com garum de chicharro, de carapau, de cavala. Agora tentámos cozinhar a gema nesse líquido, que já tem cinco meses. Quem sabe se começa aqui esta pequena travessia…”.

A prova

Para perceber os caminhos da cozinha de Leonardo Pereira temos que nos sentar à mesa. Vamos, então. Ficamos ao balcão, com vista privilegiada para o espectáculo na cozinha. Equipa a postos, grande concentração, uma dança exótica de corpos que se evitam no último segundo, de pratos que se equilibram, de caixas que passam constantemente de uma bancada para a outra. Cada um com a sua função, mas sempre atentos a uma ordem do chef para ajudarem outro que precise.

Os pedidos chegam e o ritmo acelera. Ouvem-se “sim, chef!” daqui e dali. Luke, o coreano brincalhão, já não tem tempo para brincar — está atento à carne. Lukas, o sueco, prepara os nabos de uma das entradas. Kiki aparece com os pães que fez e que são acompanhados por uma pasta de favas decorada com flores de borragem. Simone, a estagiária, está ali para dar uma ajuda onde for necessário. E André parece um raio, tão depressa de um lado da bancada como do outro, concentração ao máximo.

Todos parecem ter um ouvido especialmente sintonizado para captar cada uma das ordens que Leonardo, ao comando nos fogões e agitando vários pequenos tachos ao mesmo tempo, vai dando. Controlam-se os minutos de cada coisa para a máxima coordenação e garantia de que no momento do empratamento nada fique à espera a arrefecer.

Chegam as primeiras entradas: uns óptimos nabos frescos (os mesmos que Simone tinha estado a lavar à tarde e Lukas a preparar há momentos) com uma emulsão de manteiga noisette e trigo sarraceno; ovos de codorniz com botelho-comprido (uma alga de Aveiro) e sal fumado; curgetes com flor de laranjeira e crème fraiche.

De seguida, um prato com folhas de diferentes variedades de alface, lagostins do rio e pétalas de rosa; um delicioso coalho de leite com caldo de presunto e rebentos de vinha; cebolas novas assadas com sementes de coentro e manteiga de ovelha; choco com vinagrete de perpétuas; espargos brancos assados com água de tempeh (fermentação feita com grão de bico); tendões de vaca com alcachofras e um molho feito com levedura tostada; e o prato de carne, porco com molho de sangue e mizuna (folhas de mostarda japonesa).

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