Em Lisboa abriram nos últimos tempos pelo menos quatro restaurantes chineses que nada têm a ver com os tradicionais chineses que conhecemos há décadas. Dos menus destes novos espaços não fazem parte a cozinha chinesa adaptada ao gosto dos ocidentais nem pratos que nunca existiram na China – e todos estão cheios de clientes chineses, o que só pode ser um bom sinal.
É tempo, portanto, de esquecer o chop suey e a banana fa si e de descobrir as grandes cozinhas da China. Pelo menos três delas – a de Cantão, a de Shandong e a de Sichuan – estão já representadas em Lisboa. Ainda não é fácil perceber tudo o que as caracteriza porque os cozinheiros não falam português. Mas, entre as dificuldades de tradução e a surpresa provocada por sabores inesperados, tentámos desenhar – pelo menos em parte – o novo mapa gastronómico chinês na capital.
Mr. Lu, de Shangdon para Arroios
Sorridente e simpático, Zhiaming Lu quer explicar os seus pratos, mas não fala português. É, por isso, com a ajuda de uma das empregadas do seu restaurante, Mr. Lu, que vamos tentando perceber o que caracteriza os sabores e ingredientes desta cozinha da região de Shandong, no Nordeste. Também conhecida como cozinha Lu, esta é uma das Oito Tradições Culinárias da China, que correspondem a regiões gastronómicas demarcadas. Dentro destas, a de Shandong está entre as quatro mais influentes.
Abrimos a carta e vamos percorrendo a longa lista de pratos. “Perna de rã”, aponta a mulher do senhor Lu, com um sorriso. Muito típicos deste género de cozinha são os peixes e o marisco porque Shandong é uma zona costeira. Não é de estranhar, portanto, que o prato mais emblemático do Mr. Lu seja um peixe agridoce (em Portugal usam o robalo), com uma sofisticada apresentação – vem arqueado, com a cabeça e o rabo levantados e a carne disposta em lâminas, como se se tivesse arrepiado. Para inspirar os clientes, há até uma fotografia sobre o balcão do restaurante.
“O peixe à nossa moda vem inteiro”, traduz a rapariga. Lu aponta já para outros pratos da lista, para dizer que o cabrito assado com cominhos também é muito típico, assim como o caranguejo picante. “Muitos destes pratos são criados pelo Mr. Lu”, diz a nossa tradutora, mostrando como exemplo o inhame na chapa quente. Há, aliás, vários pratos que são cozinhados nesta chapa quente que “cheira muito bem”, segundo explica, com gestos elucidativos, a mulher de Lu.
Muito características também desta cozinha são as sopas, que neste restaurante se chamam ensopados: há lombo de vaca ensopado com tomate, lombo de carneiro ensopado com nabos, frango ensopado com cogumelos chineses. “Não são picantes”, sublinha a mulher do senhor Lu. Esta é uma das principais diferenças entre a cozinha de Shangdon e a de Sichuan, por exemplo. Alguns dos pratos de Shangdon podem ser levemente picantes, mas nada que se compare com a intensidade dos da província mais ocidental.
Há também muitos pratos feitos no wok e uma parte da lista só dedicada às espetadinhas – uma especialidade que continua a ser mais pedida pelos chineses do que pelos portugueses. A mulher do cozinheiro mostra, entusiasmada, que têm também muitos pratos vegetarianos e que há cada vez mais casais que chegam ao restaurante e dizem “não carne, não peixe”.