A mesa estendia-se, quase a perder de vista, ao longo do corredor principal do Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso, em Amarante. À nossa volta, quadros e esculturas. Na mesa, rosas vermelhas. E nos bastidores sete chefs a preparar sete pratos — cada um inspirado num quadro diferente de Amadeo.
André Silva, chef do Largo do Paço, o restaurante da Casa da Calçada, com uma estrela Michelin, foi o anfitrião da mais recente edição da Rota das Estrelas, o evento que ao longo do ano percorre os restaurantes estrelados do país. Mas André Silva não quis ficar dentro da Casa da Calçada porque acredita que a Rota deve abrir-se à cidade. “Temos que ser os embaixadores de Amarante”, diz.
Por isso, para o segundo jantar do evento, mudou-se de tachos e panelas para o Museu Amadeo, do outro lado da histórica Ponte de São Gonçalo. Aí, os sete chefs andaram às voltas com alguns dos mais conhecidos quadros de Amadeo — um filho da terra — tentando traduzi-los em pratos que fossem não apenas bonitos mas saborosos.
Mas como se transforma uma pintura num prato? Pensa-se primeiro nas cores? Nas formas? No tema? Fomos perguntar a cada um dos chefs o que o inspirou nas telas de Amadeo.
Vítor Sobral
Tasca da Esquina, Lisboa
Quadro: Os Galgos
Prato: Coelho assado em vinha de alhos, abóbora, beterraba e pó de avelã
Vítor Sobral diz que o seu foi um processo “muito básico”. “Tentei o mais possível respeitar as cores”, explica, apesar de o azul ser particularmente difícil de transpor para comida. Coube-lhe um quadro figurativo e por isso tinha um tema: os galgos e os coelhos. Excluída a hipótese de cozinhar cão, optou naturalmente pelo coelho. Depois foi montar uma espécie de pintura no prato, na qual cada gota de cor diferente era também um sabor diferente. “Tentei que fosse um prato chamativo em termos visuais, apesar de não ser o que mais gosto de fazer.” Acredita que pratos demasiado elaborados “assustam as pessoas, que não os compreendem”. Mas gostou da experiência em Amarante, sobretudo pela oportunidade de trabalhar com outros cozinheiros da geração mais jovem. “Fiquei muito feliz com a rapaziada. Estão bem preparados.”
João Rodrigues
Feitoria, Lisboa
Quadro: Os Ciganos
Prato: Presa ibérica grelhada, enguia fumada, amido de batata, pimento curado
Achou que o quadro que lhe foi atribuído “não era fácil”. Se noutros casos podia-se ir “pela estética, pela harmonia ou o caos, ou destacando um elemento”, aqui Amadeo representou dois ciganos e um cavalo. “Procurei inspirar-me no que o quadro tentava transmitir: uma vida na rua, uma vida de liberdade, as sonoridades da música cigana, a alegria.” E isso levou-o para a comida de rua, “que nos faz pensar em grelha, fumo, fogo”, sabores que se vão encontrar no prato que criou. Sendo o quadro sobre a Andaluzia, foi buscar o porco ibérico para fazer a ligação entre Espanha e Portugal. Considera que este é um exercício interessante porque “obriga a focar o pensamento”. Mas, sublinha, prefere “ter uma anarquia maior”. “Cada vez mais sinto que é a minha cozinha, criada através dos meus olhos, da forma como eu penso, as coisas que gosto de comer, as minhas memórias, as minhas ideias.”