Nas duas horas a subir a descer a pequena colina mal damos conta, sequer, que a neve fez uma fugaz aparição porque estamos a descobrir que talvez exista qualquer coisa como dislexia motora e que uma perna direita pode ser muito rígida, com a rodilla presa. Resultado? Tendência para descer sempre para o lado direito (a sorte é que há um pequeno amontoado e barreiras de plástico a amortecer) e em velocidade digna de um atleta olímpico. Houve tombos, mas eles não são o problema. O problema é erguermo-nos com dois esquis nos pés e numa superfície inclinada. E, depois, aceitar que a aula terminou, tendo tido apenas um relance da liberdade que será descer as encostas que se erguem, multiplicam e escondem para trás de nós.
Vamos subi-las - e descê-las, num teleférico (cujo uso tem uma etiqueta própria e uma velocidade sem complacência para hesitações) e sem esquis, claro. E sem ver um décimo do Formigal, a maior estância de neve na Península Ibérica, 137 quilómetros esquiáveis que se estendem em mais de cem pistas, mais sete itinerários fora de pista, ao longo de quatro vales. A melhor vista foi mesmo da Tratoria Cantal, restaurante em plena pista, a dois mil metros de altitude. Janelas panorâmicas e terraços a toda a volta para a paisagem de postal ilustrado (ora neve imaculada, ora manchada de florestas; ora picos rochosos, ora picos nublados; esquiadores indisciplinados, esquiadores a seguirem um líder) em todos os ângulos possíveis e avistamentos improváveis - como um tipi branco e vermelho num pico distante - é o "Povoado Índio", dizem-nos, outra área de restauração (são 24 em todo a área esquiável) especializada em comidas frias e temperos no "estilo índio puro".
O tempo escasseia e a noite cai cedo nas montanhas. Não, não experimentámos os trenós puxados por cães, nem acelerámos nas motas de neve, mas houve quem o fizesse. E ainda assim ficou muito por experimentar.
No Marchica, o aprés-ski é quando um homem quer, mesmo que o dia ainda não se tenha esvaído completamente. São 16h00 e já as cervejas correm ritmadas na mesa. Seis amigos de longa data, dois amigos recém-encontrados, todos ingleses, do Surrey. "Não somos swingers", brincam. São é neófitos no Formigal, embora habitués da neve. A Áustria é o destino favorito, e anual, o Formigal é uma experiência "um pouco mais barata", confessa Brian Balchin, 41 anos.
"É bom, é bom", diz, algo indulgente.
"Não estamos a ser justos", interrompe a amiga Janine Redman, "porque conhecemos muitas [estâncias]".
É verdade, dizem, que em Itália o Milky Way tem 600 quilómetros, que a "Áustria tem mais variedade de pistas", mas aqui "há mais actividades além do esqui", reconhecem - e do que "jogar às setas". Sentença: se for para "profissionais" de esqui, o Formigal não será "muito apropriado"; se não, é very nice.
A "nova" amiga, Loraine Eaton (33) não é profissional. Esquia há 20 anos - "Ela é muito boa esquiadora, faz 'pretas'", avisa Chris Ellis (34), o namorado - e discorda. "As pistas são muito desafiantes em relação à Áustria". A experiência de ambos no Formigal é fruto da sorte - literalmente: ganharam a viagem no concurso -, e dela não desdenham. "Este resort tem algumas diferenças dos que conhecemos, umas melhores e outras piores", explicam. As piores são, diz Loraine, a distância entre os hotéis e as pistas e o tempo que se demora a chegar lá acima. As melhores, os três vales que se podem esquiar seguidos e os diferentes restaurantes, para todos os gostos, lá em cima. "E este bar é divertido", conclui.