Fugas - Viagens

Nelson Garrido

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Pirenéus aragoneses - Esquiar ao sol

Jangada de pedra

Quando saímos do Porto, às 8h30 (9h30, na realidade, porque o voo atrasou-se), não imaginávamos que o dia fosse terminar já de madrugada. No Marchica, por insistência dos nossos anfitriões - afinal, o novo bar/discoteca é um dos pontas-de-lança da nova imagem do Formigal. Uma estância de neve, sim, mas com muito mais para além do esqui (e quem diz esqui, diz snowboard). No caso, muito aprés-ski depois de as pistas fecharem, o que acontece às 17h00. Estamos nós a terminar a noite, dizíamos, mas tudo começou mais cedo.

Do Porto para Madrid de avião. De Madrid para Saragoça (cidade-porta-de-entrada para os Pirenéus Aragoneses), no AVE, o comboio espanhol de alta velocidade. Hora e meia que não dá para acabar de ver o filme que passa nos monitores (The Proposal), mas que dá para almoçar (guisado de atum à moda basca, consomé e sobremesa) e para nos perdermos na paisagem que corre lá fora. Há campos dourados e escarpas rochosas com vegetação rasteira e rarefeita; há montes a declinarem tons de terra em formações caprichosas - com a imaginação hipnotizada pela velocidade constante, diríamos atravessar o velho Oeste e minicanyons; os povoados não são de madeira, mas surgem esparsos e por vezes um castelo abandonado assombra a paisagem. Não é o velho Oeste, mas é, definitivamente, o velho mundo.

Em Saragoça estamos na capital da comunidade autónoma de Aragão e a uma hora do destino, avisam-nos (um pouco mais, veremos depois), por enquanto os olhos percorrem a Expo 2008 em busca do pavilhão-ponte de Zaha Hadid. Esforço inglório, ele aparece, longe de mais para se apreciar verdadeiramente. E ao longe já se recortam também as montanhas que avistamos da camioneta: a paisagem vai fechando lentamente, as curvas começam a apertar enquanto passamos por estradas húmidas que dividem paisagens: de um lado, bosques tenros, do outro a aridez rochosa. Começam os túneis e já somos parte da montanha, as encostas de abetos rapidamente desaparecem enquanto mergulhamos na escuridão iluminada de amarelo. E sem darmos conta o nevoeiro está a brincar connosco e de repente já não é nevoeiro, é a noite que assentou algures nos Pirenéus aragoneses, com pequenas povoações que são faróis na escuridão e lagos gelados que desprendem luz azul.

A noite está cerrada quando chegamos ao Formigal e ainda são 18h00. Primeira constatação: não está o frio que imagináramos. Diríamos, aliás, que não está frio para além do óbvio (é Inverno, estamos nos Pirenéus, a 1550 metros rodeados de neve). É o Formigal, portanto, que se ergue à nossa volta, uma povoação construída para apoiar a estância. Edifícios de quatro ou cinco pisos, madeira e pedra, telhados em declives acentuados, que são hotéis e apartamentos, ruas desertas de gente mas plenas de carros estacionados, alguns meios cobertos de neve. Há gelo no chão, mas ninguém se importa, suspensa nesta escuridão branca parece terra encantada. Numa arcada, luzes emanam, são lojas de artesanato e bares. O mais típico, cabinas de madeira à laia de pub, é também o mais cheio - na televisão passa um jogo de andebol, Espanha contra a República Checa, "estamos" no campeonato da Europa, mas não ligamos.

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