Uma "praia" caribenha
Chegamos a Cerler a saber algumas coisas. É a estação mais alta dos Pirenéus Aragoneses, 2630 metros no Valle de Benasque, e tem o maior desnível esquiável da cordilheira, 1130 metros. É "apropriada para famílias", "uma das poucas", e é além disso (ou por causa disso) um dos destinos preferidos dos portugueses nesta província - isto sabemo-lo ainda sem ter posto os pés na neve de Cerler, ainda estamos em Benasque, a vila mais próxima da estância, e é o director dela, Gabriel Mur Luján, que nos diz. "Os portugueses quando vêm não é por um dia e vêm em família. A família Pereira, a família Silva...". No Carnaval, sobretudo.
Não nos cruzámos com portugueses. Mas o primeiro encontro, ainda à entrada, no sector de Ampriu, mesmo à beira de uma "estátua" Conguito, é com estreantes na neve. Estreantes a sério. "É a primeira vez que estou no frio", explica Jacob Emanuel, mexicano de 19 anos, "queria muito conhecer e quando vi neve fiquei emocionado como uma criança". "Fartei-me de fazer bolas de neve". Está com Javier Garcez, equatoriano um ano mais novo, e os colegas da escola de chefes de cozinha, onde fazem um intercâmbio. É uma visita de estudo de um dia. Jacob vai "estudar" o snowboard, Javier o esqui.
Nós continuamos com o esqui - e a segunda aula corre ao nível da primeira. Não desistimos e havemos de voltar (afinal, um desígnio é um desígnio e não é a falta de jeito que nos vai privar de o alcançar). Oscar Paz, boliviano de Cochabanda, feições andinas e temperamento sério, também volta à neve todos os invernos desde há oito anos. Tantos quantos leva em Espanha. Mas não esquia. "Tentei, mas não consegui". Os filhos sim, esquiam. Já viu muitos portugueses, alguns franceses e ingleses, mas muitos mais espanhóis ali do seu posto de trabalho - o tapete rolante "dos" iniciantes, que ele controla para evitar acidentes. Está aqui até acabar a temporada, no Verão trabalha noutros sítios.
No Verão, Nereo Arija, madrileno de 28 anos, também "voa" para outras paragens. "Trabalho no Inverno e viajo no Verão". É a terceira temporada que faz aqui em Cerler: é trabalho temporário ("Em Abril acaba, mas temos alturas muito duras, como o Natal") e é também um prazer. Não costuma almoçar, aproveita a folga para ir esquiar - daqui a pouco vêmo-lo a arrancar (disse que esquiava "um pouco" - somos leigos, mas mentiu, garantimos). Por enquanto está a atender os "charlies" (os turistas) na loja de aluguer de equipamento, fá-lo durante oito horas e depois regressa a Benasques onde vive por estes meses. "Benasque é onde se vai de copas e às compras", explica.
Benasque não é uma vilaestância. É uma vila. Que por acaso fica perto de uma estância de neve e tem montanhas rochosas à volta, contrafortes poderosos que escondem os vales nevados. Tem uma Plaza do Ayuntamiento e muitas casas brasonadas. Os edifícios são baixos, de pedra e madeira e ferro forjado - alguns são "mestiços" e juntam a tudo isto uma ou outra parede pintada. Os telhados são quase impossivelmente inclinados. Ruelas forradas a pedra, cruzam-se com pracetas, há arcadas e um pequeno ribeiro, muitas lojas de desporto, pubs e cafés.