Regressamos ao centro e num pequeníssimo quintal aberto à povoação Aurora Gonçalves e o marido Armando Martins, ambos com 68 anos, afadigam-se em torno de umas poucas oliveiras. "É o trabalho de Novembro, as azeitonas", declara Aurora. E este é ano de apanha "está boa, não está picada" porque com as oliveiras é ano sim, ano não. As poucas oliveiras que ali têm não fazem esquecer o passado todos os socalcos em volta da aldeia estavam carregados de oliveiras, era trabalho até Fevereiro. Agora há menos, mas o azeite continua a ser de alta qualidade; agora, os pinheiros abafam tudo e os incêndios queimam o que sobra.
Reformados, Aurora e Armando regressaram de Lisboa e vão "dando continuidade ao que os velhotes faziam". Mas já não dependem da agricultura, "é por carolice", reconhecem. "Os filhos da Foz têm muito gosto pela terra", lembra Joaquim. E sabem qual é a sua maior riqueza. A água. Da ribeira de Cobrão e do rio Ocreza, do outro lado. "Vem da serra da Gardunha, chega a ficar como o Tejo", garantem-nos, e "até 78 havia um barqueiro e barca para irmos para o outro lado. Burros, cabras, tudo de barca".
Fajão, um conto de fadas
Estamos no cimo do mundo e o mundo é só serra que se repete no horizonte para onde quer que se olhe. Serra com torres eólicas, com tríplices que rodam hipnoticamente. O Parque Eólico de Pampilhosa da Serra encontranos no nosso caminho para Fajão: agora estamos no topo, mas já vamos descer novamente entre o verde escuro do Outono na serra do Açor.
Fajão está encolhida num vale, a crescer do sopé da encosta, rodeada de fragas rugosas (Penedos de Fajão), muralhas inexpugnáveis deste vale profundo. E é xisto que vemos erguer-se, para terminar já colorido nas "últimas" casas da povoação. Deixamos o carro no estacionamento da igreja paroquial, branca, linhas sóbrias e com a torre sineira unida ao edifício por um arco, cercada por grandes árvores agora totalmente despidas, murinhos de xisto, bancos com vista privilegiada para o casario depois desta, uma ponte estreita leva ao núcleo de Fajão.
Entramos na parte "velha"e o passo desacelera, porque os olhos não conseguem descolar das construções madeiras brilhantes e amarelos vivos em contraste com o xisto, os telhados de lousa como ondas negras, as janelas de vidros inteiros, tão rigorosamente típicas e tão originalmente heterodoxas nos pormenores que as tornam únicas: as varandas de madeira, as aldrabas, as cimalhas, as padieiras das portas (por vezes com postigo de vidro). Os passos soam fortes nestas ruas onde não é incomum depararmos com paredes curvas ou outras volumetrias caprichosas, pequenos largos, fontes, misteriosas escadarias, candeeiros de ferro forjado que escapam das paredes. As pedras têm cores diferentes e não é a magia da luz: algumas, mais claras, são uma mistura, que inclui a pedra dos penedos que rodeiam a aldeia. É quase um museu construído para simular uma ideia de passado típico.
Chegamos ao Largo do Museu e estamos num conto de fadas. A praceta é pequenina, desnivelase em escadinhas, tudo em piso de lousa (com água escorrega), as casas são quase miniatura, na varanda-entrada do museu as hortênsias (que se repetem em muitas outras varandas competindo com as sardinheiras) são um mini-arco-íris neste pedaço pétreo. Na ampla Praça Dr. José Maria Cardoso, repete-se o piso mas a esquadria é mais severa, tutelada pela Residencial Cadeia, três andares sólidos que começam numa varanda o nome é herança: já foi cadeia e já foi câmara, porque Fajão já foi concelho (recebeu foral em 1233) e agora arrisca-se a deixar de ser freguesia.