Fugas - Viagens

Paulo Ricca

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Uma aventura nas aldeias do xisto

E há pessoas que vivem aqui, nestas ruelas quase perfeitas há casas ainda em ruínas, há casas em recuperação, mas de algum modo parecem não interferir com cenário do "centro". Encontramo-las, juntamente com funcionários do Parque Eólico distinguíveis pelos fatos, no restaurante, o Juiz de Fajão, decorado com xisto gravado, onde o tema das conversas é apenas um: futebol, entre Cristiano Ronaldo e o derby Sporting-Benfica. Antes de acabarmos de almoçar doses generosas já sabemos que o porteiro do museu da aldeia, o Museu Monsenhor Nunes Pereira, não está. "Foi à Pampilhosa", diz alguém. "Ah, ele realmente estava com roupa diferente". Mas rapidamente ali se arranja alternativa: o funcionário da junta vem abrir o museu.

Vítor Pereira, funcionário da junta há alguns anos (já foi presidente da assembleia de freguesia e secretário da junta), chega com a chave e histórias para contar. O museu "está sempre fechado", explica, "mas temos um senhor reformado que tem as chaves, normalmente está no restaurante e vem aqui".

O Museu Monsenhor Nunes Pereira é o típico museu de província, tudo ali está intimamente ligada à história e modo de vida de Fajão e à própria produção artística de quem lhe deu nome e doou a maioria das peças, Monsenhor Nunes Pereira, um filho da terra que foi padre, jornalista, artista e responsável, por exemplo, pela compilação dos "Contos de Fajão", publicados em 1989. A personagem principal destes contos, muitos de origem medieval, é o juiz de Fajão quem foi o juiz?, queremos saber. Não existiu "um" juiz, mas não nos desiludimos, o juiz é um símbolo e os contos, dizem-nos, engraçados, na sua moral brejeira.

Entramos para o "cocão", a cozinha das casas tradicionais, mais funda do que o resto da residência. Está completa, tem fumeiro, forno, tabuão (onde as pessoas se sentavam)... Fora da cozinha, a "oficina" de carpintaria do padre, seguem-se pinturas, peças religiosas, pedras da mina da Panasqueira, máquinas de costura antigas, retábulos de madeira com motivos religiosos muitas das obras são da autoria de Monsenhor Nunes Pereira, que se destacou no desenho, aguarela, escultura, xilogravura. Entre tudo, um retrato do monsenhor, da autoria de um pintor local, Guilherme Filipe. Numa parede, o edital do antigo concelho do Fajão (século XIX), extinto em 1855. "Com a evolução vai deixar de ser freguesia", nota Vítor Pereira. "Aqui, nas serras, não há nada e vão tirando o que temos".

Subimos ao primeiro andar para entrarmos na intimidade de um quarto típico cama de ferro (coberta com um xaile de Merino "quem não tivesse xaile não se sentia bem"), dois penicos, lavatório e pouco mais.

Nas paredes, fotografi as uma do rancho folclórico, de 1957, "havia dez vezes mais gente do que hoje". "Na minha povoação havia 40 miúdos, agora não há um. Em Fajão há dois", lamenta Vítor Pereira. E para mostrar que esta é uma terra de festa, instrumentos musicais enchem o outro lado do espaço: adufe, guitarra, bombo, gaita-defoles, bandolim, flautas.

Ainda há outra sala no museu, na "loja": um fole gigantesco, linho e peças para o trabalhar, instrumentos da resina "uma das coisas que há muitos anos nos deu muito jeito. Vivíamos da resina dos pinheiros, antes de estes arderem". O museu prolonga-se no edifício fronteiro, para uma sala de exposições temporárias, vazia por estes dias.

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