Fugas - Viagens

  • Pormenor da capa de Viagens Contadas
    Pormenor da capa de Viagens Contadas

Viagens Contadas: O deserto não é para mulheres

Por Maria João Ruela

Maria João Ruela, jornalista e pivot da SIC, acaba de lançar o livro "Viagens Contadas", um conjunto de relatos das suas viagens por várias regiões do mundo, do Nepal à Patagónia ou Marrocos. É um excerto da viagem por terras marroquinas que poderá ler aqui: Em "O deserto não é para mulheres", Ruela conta um dos percursos do capítulo "Entre o Atlântico e o Deserto", e leva-nos de Erfoud a Merzouga. Entre reflexões e descobertas, recorda também um momento no Iraque em que correu risco de vida e foi salva por gente de outro deserto.

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O deserto não é para mulheres (de Erfoud a Merzouga)

A estrada continuava a levar‑nos para oriente, e sempre para sul, cada vez mais próximos do Sara. Passámos por Er‑Rachidia sem entrar na capital administrativa da região. Uma cidade de avenidas largas, construída pelos franceses, onde se instalaram várias unidades do Exército marroquino, dada a proximidade da fronteira argelina.

O asfalto termina depois, em Erfoud. Até Merzouga e as dunas do Erg‑Chebbi serão mais quarenta quilómetros de pista, feita de terra, areia e pedras. Nessa tarde o termómetro do jipe marcou 49 graus, numa atmosfera sem humidade. A única maneira de nos refrescarmos era nunca parar, de forma que o movimento do carro fizesse circular o ar, que entrava pelas janelas mal abertas. A escolha era só uma: comer poeira ou assar. À volta da cabeça enrolámos lenços finos de algodão branco que alguém se lembrou de comprar em Marraquexe. Molhados em água, que secava imediatamente, davam uma sensação de frescura que já não sentíamos há horas. Mas os lenços molhados não impediam que a poeira se entranhasse na boca e nos olhos. Por teimosia, o Floriano, um brasileiro do Rio Grande do Sul, que fazia parte do grupo, insistiu em comprar um lenço tingido a verde - «É a cor do meu país!» - e assim também a exibiu na testa no final de uma tarde de suor e calor. A tinta levaria ainda dois dias até desaparecer completamente da pele do brasileiro.

De faróis acesos, os carros avançam em ziguezague. A técnica há-de ter um nome, para quem percebe de condução. Para os leigos como eu até parece uma provocação, porque a pista estende‑se a toda a largura que a vista alcança. Os ziguezagues acentuam os desníveis e o trajecto é feito sempre em solavancos. Devemos manter uma distância entre os carros, por causa das pedras que saltam à nossa passagem. E também uma defesa contra a poeira, que pode tapar a visibilidade. Nesta dança de faróis, o guia chama‑se GPS e indica a direcção. Para sul, sempre para sul. No caminho cruzámo‑nos com um motard, em cima de uma máquina velha e sem cor. Para ele a distância há-de ser mais longa!

Em Erfoud, durante a última refeição com nome decente dos próximos dias, o empregado do restaurante tinha feito um aviso:

- Mantenham as montanhas sempre nas vossas costas. Quando virem uma povoação, parem!

Parámos, junto a um conjunto de albergues, separados entre si por algumas centenas de metros, dispostos ao longo da orla das dunas. A fronteira com a Argélia fica a trinta quilómetros e entre nós e ela já só há deserto, areia e dunas. Merzouga explora esse filão, convidando‑nos a sentar, logo à chegada. Junto às primeiras dunas, batidas pelo sol e por uma brisa escaldante, jazem abandonadas cadeiras de ferro ferrugento a jeito das fotografias. É lá que permanecemos, sob o hipnótico tom laranja da areia de Marrocos. Haveria de voltar a encantar‑me, horas mais tarde, ao nascer da aurora.

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