Fotogaleria: Festival San Fermin em Pamplona (2011)
Vista à distância, e deste lado ocidental da Península, Pamplona (a)parece-nos (como) um enclave recôndito e mesmo difícil de situar no mapa. Fica fora da rota de acesso a França pela fronteira norte junto ao litoral, entre San Sebastian e Bayonne; e fica mais distante ainda do caminho por sudeste, via Catalunha ou Andorra. Não fora Ernest Hemingway (1899-1961) e o seu romance "Fiesta" (a primeira edição, em 1926, teve por título "The Sun Also Rises" e mais tarde deu um filme), e esta terra dificilmente ganharia o mediatismo que actualmente lhe reconhecemos. Principalmente no mês de Julho, com as "Sanfermines", as festas em honra do patrono da terra, que todos os anos, entre os dias 6 e 14, transformam esta cidade calma e repousada na encosta sul dos Pirinéus num território em estado de festa e loucura permanente.
Por esta altura, as imagens chegam-nos pela televisão, com a multidão de habitantes e visitantes vestidos de branco e vermelho irmanada numa mesma vivência timorata do perigo, correndo rua fora em pleno centro histórico à frente de touros largados em correria desenfreada até atingirem a arena, poucas centenas de metros à frente chamam-lhe os "encierros".
Hemingway, que visitou Pamplona pela primeira vez em 1923, quando trabalhava em Paris como jornalista correspondente, descreve assim esta tradição que o deixou impressionado pela sua intensidade e sentido de desafio dos limites (e que o levaria a regressar vários anos sucessivos à capital de Navarra, até 1959): "As festas duravam dia e noite, por sete dias. A dança durava, o beber durava, o barulho continuava. As coisas que aconteceram só podiam ter acontecido durante uma 'fiesta'. Tudo se tornou inteiramente irreal; e parecia que nada podia ter consequências" (in "Fiesta").
Reconhecidos ao contributo do escritor norte-americano (Nobel da Literatura em 1954) para a divulgação mundial da cidade, os responsáveis públicos de Pamplona imortalizaram o seu nome numa rua e dedicaram-lhe um busto à entrada da praça de touros (a terceira maior do mundo, dizem, e que nos anos 60 foi ampliada sob um projecto do arquitecto Rafael Moneo, um filho de Navarra). Um pouco por todo o centro histórico da cidade, principalmente no hotel Perla e no café Iruña, há referências ao autor de "Fiesta" (que o realizador Henry King adaptou ao cinema, em 1957, com Tyrone Power, Ava Gardner, Mel Ferrer, Errol Flynn e Eddie Albert).
Ritual de iniciação
As "Sanfermines" são, pois, anualmente, o principal motivo de atracção do turismo internacional de Pamplona. Mas estas festas em volta dos touros são, primeiro que tudo uma celebração espanhola, para os espanhóis em geral e para os habitantes de Navarra em primeiro lugar.
Numa visita promovida pelo Turismo local para um grupo de jornalistas portugueses, o guia Francisco Glaría punha a tónica neste carácter nacional e regional dos "encierros" de San Fermin: "É uma experiência de vida pela qual todos nós passamos, e queremos passar". A "Fiesta" é um ritual de iniciação "o jovem que queira arranjar uma namorada tem de passar por essa prova", acrescentava Glaría, enquanto nos conduzia pelo percurso de escassos 850 metros, que todos os dias, logo pela manhã nessa semana de Julho, leva os touros (e uma multidão de mais de 10 mil pessoas à frente deles nesse estreito caminho que tem epicentro na Plaza Consistorial) dos currais até à arena, onde depois serão lidados e mortos. Às vezes, na sua passagem, os touros deixam também um rasto de sangue e morte, numa espécie de vingança por antecipação da sua própria sorte diz-se que a primeira vítima mortal da "corrida" foi a do jovem de 22 anos que Hemingway descreve no seu livro.