Tal como no resto do país, a população local vive com dificuldades na Boa Vista. Os residentes de Sal Rei, capital da ilha e única povoação que se divide em duas freguesias, não têm direito a salário mínimo - a introdução deste é uma promessa política -, vivem em casas onde as quebras de energia eléctrica são constantes e o abastecimento de água e de saneamento é mínimo e de má qualidade. Há gente que chega a usar a água do mar dentro de casa, quando a falta deste líquido se agudiza. Por razões meteorológicas, nunca seria fácil viver aqui segundo os cânones urbanísticos europeus, quanto mais não seja porque chuva é coisa que não abunda por aqui. Dada a falta de estradas alcatroadas, a maneira mais fácil de circular é em veículos todo-o-terreno, que se podem alugar (jipes e moto 4) em Sal Rei, por exemplo. Se a preferência recair sobre as moto 4, então há outras hipóteses de aluguer junto a hotéis e resorts.
A viagem entre o pequeno aeroporto e o hotel é curta e permite uma pequena antevisão do que por ali se encontra. O tom amarelo ocre que faz lembrar o deserto é pontuado aqui e ali por uns riscos verdes, um oásis com palmeiras, umas acácias ou umas tamareiras. A Floresta Clotilde, para leste, é um ponto a descobrir. Se prefere não conduzir, alugue um táxi - que aqui são carrinhas pick up e carros todo-o-terreno - e deixe-se guiar pelo motorista. Quando se avista o hotel, dá a sensação de que se está algures em Marrocos. A arquitectura do Iberostar, um hotel de quatro estrelas que vai passar a cinco estrelas em Novembro, activa a memória fotográfica guardada no Norte da África continental. Ainda longe, já se avistam campos de jogos, para futebol, basquetebol ou ténis, e também um auditório ao ar livre, equipamentos que fazem parte desta unidade que convidou a Fugas para esta escapadela de fim-de-semana.
Da recepção do hotel avista-se a piscina de água salgada. Na verdade são três tanques distintos, um para crianças, outro para toda a gente e um outro que parece ser a continuação da linha do horizonte que se vê ao fundo, azul-céu por cima, azul-turquesa do mar por baixo. A vista é idílica, ideal para quem vem de um país afogado em dívida e que acabou de pedir aos seus trabalhadores o pagamento de um imposto extraordinário. Ali sim, vê-se algo por que vale a pena pagar.
A maior parte dos funcionários são locais, falam português e crioulo. A administração do hotel é hispânica e entre os clientes há muitos portugueses, mas também gente alourada, provavelmente do Norte da Europa, onde a oferta turística de Cabo Verde já ganhou muita popularidade. A caminho dos quartos, ouve-se um pouco de italiano, ouve-se ainda menos espanhol - apesar da proximidade do arquipélago das Canárias, o mercado espanhol ainda não percebeu que pode ter mais e melhor a curta distância, com menos gente.
Isto deve ser pecado
Claro que a ampliação do aeroporto com uma nova pista e os muitos compromissos assumidos tanto pelo Governo cabo-verdiano como pela autarquia de Sal Rei significam que a Boa Vista irá, no futuro, encher-se com mais turistas. O que significa que a terra enfrentará em breve um dilema: como crescer sem matar a autenticidade? Esta é a questão central para destinos como a Boa Vista, cujo encanto resulta sobretudo do facto de a ilha estar praticamente intacta. Sendo a terceira maior em termos de área, a Boa Vista tem poucos habitantes; um dia na praia é um dia sem vizinhos; pode-se palmilhar quilómetros de areia sem ver mais ninguém a não ser pequenas cabras ou até burros que ficam por ali a mastigar debaixo de um sol por vezes impiedoso. Não há melhor que isto para quem procura sossego, e as alternativas de praia são variadas.