Continuamos a andar, ainda não passou meia hora, mas assusta olhar para cima e perceber que há este caminho pela rocha para subir de volta. Marco sossega-nos, habituado que está a palmilhar todos os caminhos das Flores, e diz que "é muito pior descer". A ver vamos. Por enquanto vemos a árvore da groselha e o araçazeiro - dá umas bagas muito utilizadas na ilha para fazer doce de araçá, que haveremos de provar e aprovar um destes dias. O vento amainou e o sol está agora muito mais aberto.
Passaram 45 minutos desde que começámos a descer e já temos a fajã debaixo dos pés. A primeira casa, que lá de cima era um pontinho minúsculo, ergue-se, branca, à nossa frente. Deixa ver alguns sinais de degradação, mas ainda assim percebe-se que cá esteve gente há pouco tempo, pelos vestígios de uma fogueira recente. A propósito, Marco explica que o acesso às casinhas plantadas na Fajã de Lopo Vaz é mesmo o que acabámos de cumprir, não há outro caminho - a não ser para quem chega pelo mar.
É para o mar, precisamente, que vamos agora. As ondas rebentam junto à areia e pedras negras, mas o azul, iluminado por um sol agora forte, enfeitiça. Não temos roupa para o mergulho, afundamos apenas as mãos na água para lhe confirmar a temperatura amigável. Olhamos em redor e vemos apenas dois turistas que também aqui chegaram a pé. De resto, somos nós, o céu e o mar azul, a areia negra e grossa e uma ou outra gaivota para garantir banda sonora. Rede de telemóvel não há e damos connosco a pensar, mais uma vez em voz alta, que isto deve ser o cúmulo do isolamento. Marco corrige-nos e garante que não.
A subida custa mais ou menos o mesmo que a descida - com a diferença que agora praticamente não falamos. Está calor, sentimos sede a cada passo e de repente estamos a beber água que escorre da rocha através de uma folha da qual improvisamos um copo. No último lanço de escadas, já conseguimos avistar o jipe, o que dá motivação extra para os metros finais. Estamos cansados, transpirados, esfomeados - há muito que uma simples sande de fiambre não nos sabia tão bem.
Com estas e com outras, já se passou a manhã. Porque somos persistentes, ainda jogamos, mais uma vez, o jogo do gato e do rato com as lagoas. Quase já sabemos de cor os caminhos que nos conduzem a elas. "Por vezes um fio de sol doira a névoa a medo", dizia Raul Brandão, mas ainda não foi desta - as nuvens continuam a montar guarda às lagoas, como se de um tesouro valioso se tratasse. Já não temos muito tempo, mas entretanto já aprendemos que é preciso saber esperar. Esperemos, então.
No Corvo, sem caldeirão
Flores, dia 3 - e também Corvo, dia 1. A manhã de sábado acorda prometedora, mas já sabemos que nos Açores isso não quer dizer muito. Às 9h35, quando entramos no barco semi-rígido que nos há-de levar ao vizinho Corvo (a ilha mais pequena dos Açores, que dista das Flores 13 milhas), o sol mais do que aquece os corpos, apesar dos pingos de chuva que caem a espaços. Somos 12 passageiros mais dois tripulantes e estamos a postos para galgar o Atlântico e desaguar no misterioso Corvo.