Subimos ao Caldeirão, contávamos, mas nada feito. Parece-nos que o nevoeiro daqui é ainda mais pesado que o das Flores. Apeamo-nos no topo de onde é suposto vermos a caldeira, mas o máximo que conseguimos são arrepios de frio causados pelo vento, que a esta altitude, mais de 700 metros, sopra forte. Sandra, ainda assim, vai guiar um grupo de amigos por um trilho próximo do miradouro da Fonte Doce e é aqui que nos deixa, para descermos, supostamente a pé, de volta à vila. Atravessamos zonas de pastagem para o gado, também elas delimitadas por muros de pedra forrados de hortênsias, e começamos a achar que não teremos tempo para chegar ao cais à hora marcada. Mas isto foi antes de apanharmos boleia de Paulo e o resto vocês já sabem.
De novo na vila, de novo debaixo de sol, ainda sobram alguns minutos para um café no bar dos bombeiros, ponto de encontro de muitos corvinos. Pedimos apenas café, mas arrependemo-nos de não ter pedido uma fatia daqueles aparentemente deliciosos bolos caseiros.
Estamos a despedir-nos do Corvo e levamos saudades para dentro do barco. Parece-nos que os que lá vivem já olham com enfado para os que olham para eles com uma certa condescendência. Admitimos: talvez não aguentássemos muito tempo neste grande rochedo vulcânico rodeado de mar (de nada?) por todos os lados, mas temos a certeza que saímos daqui com uma visão fragmentada da realidade. Queríamos mais do Corvo: queríamos ver o Caldeirão, a "grande fantasmagoria" de que fala Raul Brandão, e queríamos ajuizar por nós se ele é, de facto, "um grande desterro". Queríamos comer com os corvinos e esperar a chegada dos barcos que alimentam a ilha de tudo - ou do avião que cá vem três vezes por semana, assim o tempo o permita. Havemos de voltar, Corvo.
Flores, o fim de festa
Por enquanto voltamos às Flores, onde temos a base da nossa viagem ao grupo ocidental do arquipélago. O mar está agora mais alteroso e Carlos informa que o regresso será certamente mais molhado. Vamos de cabeça baixa, para evitar os salpicos de água salgada, até que ouvimos as palavras mágicas: "Golfinhos, golfinhos!" Lá estão eles, à esquerda do barco. Primeiro ao longe, primeiro poucos - mas depois quase coladinhos a nós e muitos, elegantes nos seus saltos acrobáticos. Tinham-nos dito que havia 90 por cento de hipóteses de os vermos e cá estão eles, para gáudio de todos os passageiros. Mais difícil, como se comprovou, seria avistarmos baleias, mas de vez em quando também aparecem.
O que aparece agora, ao fundo, é mesmo a ilha das Flores - e o recorte dos seus pontos mais altos apresenta-se muito mais nítido do que nos dias anteriores. Será hoje, finalmente, que vamos pôr a vista em cima das lagoas?
Na da Lomba, pelo menos. Apesar das nuvens, está completamente visível. Tem uma forma mais ou menos circular e está enquadrada por criptomérias e, claro, por belíssimas sebes de hortênsias. De momento não está cá mais ninguém. Ouvem-se os pássaros e o vento e agora o sol espreita por momentos, bate-lhe e torna as suas águas mais claras.