Em São João da Madeira não se respira História em cada esquina. Nos oito quilómetros quadrados do município mais pequeno do país não há dólmens megalíticos, castros romanos, castelos medievais ou palácios renascentistas. O que há é gente, e vida, e o fazer-pela-vida, numa azáfama tal que, no equilíbrio entre um passado glorioso na chapelaria e a pujança exportadora da sua actual indústria do calçado, é esta localidade que continua a merecer o epíteto de Cidade do Trabalho.
Deixando para trás as zonas comerciais do centro, os parques verdes do concelho e a mancha densa do seu edificado habitacional e escolar, o que mais há em São João da Madeira é fábricas. Se o turismo é o sector do futuro, a receita agora é essa: promover a indústria local como o património mais valioso da terra e cativar potenciais turistas com o acesso privilegiado a essa oferta, dada a conhecer em contexto real, em horário de expediente, no meio da mão-de-obra activa, com o barulho das máquinas em movimento, entre poeiras e vapores da laboração.
O cenário não será assim tão intenso - de entre os nove locais que integram a oferta dos Circuitos pelo Património Industrial de São João da Madeira, seis são empresas de pequena e média dimensão em que é possível preparar rapidamente o cenário para a chegada de um grupo de visitantes, dois são centros de formação e tecnologia cuja actividade é sempre razoavelmente higiénica, e o último é um museu que já está mais do que habituado a estas coisas.
Mas é precisamente no primitivismo dessa envolvente fabril que reside o carisma da experiência - porque visitar fábricas era coisa dos tempos da escolinha e afinal agora os adultos também se podem deixar fascinar pelo encanto bruto do trabalho manual, a melodia ritmada de máquinas desnorteantes e soluções técnicas ao mesmo tempo tão óbvias e tão inesperadas quanto sanduíches de madeira e cola que geram tubinhos de esférica irrepreensível. Tudo isso, claro, em circuitos delineados de forma a evitarem-se os sectores mais cobiçados pela concorrência e a não se perturbar o bulir normal da produção, até porque a nação precisa de render.
O projecto que materializa toda essa estratégia só deverá ser apresentado oficialmente na próxima segunda-feira, mas a Fugas já foi espreitar três dos circuitos disponíveis e, embora alguns detalhes do produto turístico em si mesmo ainda estivessem a ser ultimados, a componente da produção industrial funcionava a todo o gás.
Fepsa No princípio era o pêlo
Se São João da Madeira, no início, era o chapéu, a nossa primeira opção também foi pela Fepsa, onde pudemos apreciar como o pêlo em rama se transforma em feltro de tão elevada qualidade que faz da empresa líder mundial no seu segmento. Ainda sem o sistema de áudio que será disponibilizado aos visitantes, nem sempre foi fácil ouvir a guia que nos conduziu através do ambiente húmido da fábrica, mas a informação essencial passou: as fibras de pêlo começam por ser sujeitas a vapores que as concentram no exterior dos chamados "arcos"; daí sai uma primeira película de pêlo que, segura apenas por água, vai ser sucessivamente comprimida em máquinas como as semussadeiras e as multi-rollers; e passa-se depois à zona dos fulões e dos fornos de secagem, em que o feltro se revela já condensado no formato cónico que permite identificar nele qualquer coisa remotamente parecida com um chapéu.