Fugas - Viagens

  • Camilo Azevedo
  • O Nilo, ao contrário do Tigre e do Eufrates, sempre foi um rio previsível. As cheias chegavam sempre entre Junho e Setembro
    O Nilo, ao contrário do Tigre e do Eufrates, sempre foi um rio previsível. As cheias chegavam sempre entre Junho e Setembro Camilo Azevedo
  • Baía de Alexandria, no Egipto. A cidade ficou célebre pelo seu farol e pela sua biblioteca, a principal do Mundo Antigo
    Baía de Alexandria, no Egipto. A cidade ficou célebre pelo seu farol e pela sua biblioteca, a principal do Mundo Antigo Camilo Azevedo
  • Plataforma dedicada a Apolo, em Cirene, na Líbia oriental
    Plataforma dedicada a Apolo, em Cirene, na Líbia oriental Camilo Azevedo
  • Souk da cidade de Alepo, no Norte da Síria
    Souk da cidade de Alepo, no Norte da Síria Camilo Azevedo

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Histórias do Mediterraneo III: O mar dos milagres

O melhor exemplo de como os ptolomeus - e mais tarde os romanos - absorveram a cultura e os deuses do Egipto encontra-se nas catacumbas de Kom el Shuqafa. A primeira câmara mortuária mostra Anúbis, o deus cão, vestido de legionário romano, pesando a alma do corpo que se encontra no sarcófago. À entrada, uma Górgona romana combina-se com uma serpente egípcia. Juntas, defendem o túmulo. Noutras câmaras, os defuntos têm rostos gregos ou romanos. Mas vestem-se como o faziam os ptolomeus: à egípcia.

Para ganhar o reino celeste de Osíris, o defunto repetia uma ladainha que já antes Moisés adaptara para os hebreus:

Não cometi a iniquidade contra os homens
Não maltratei os animais...
Não blasfemei...
Não envenenei...
Não matei...


Mais do que capital de um rio, Alexandria foi, durante alguns séculos, a cidade das cidades deste mar. Atraía gente de todas as paragens. E, por causa da sua biblioteca, transformou-se num centro de conhecimento sem par. Clímaco, poeta grego que dirigiu a biblioteca, decidiu proceder a um registo do acervo. O catálogo da biblioteca estendia-se, então, por 120 longos rolos...

Recentemente, as autoridades egípcias, com apoio internacional, decidiram ressuscitar o mito. Mas onde a primeira biblioteca se afirmou como centro de conhecimento da Antiguidade, a segunda fica-se pela excelência de uma arquitectura de tonalidades nórdicas. Claro que há quem leia e quem estude. Mas a qualidade das instalações esconde um país onde a produção de livros em árabe se encontra em crise. E onde o seu único Prémio Nobel, Naghib Mafouz, tem uma obra proibida. Nessa biblioteca, só a desarrumação de algumas das suas estantes não mente.


CIRENE
O Santuário de Apolo

Outro director da mítica biblioteca, Erastótenes, era geógrafo. Ele estimou, com espantosa aproximação, o diâmetro do planeta Terra. Fê-lo a partir de um cálculo sobre a distância entre Alexandria e a sua cidade natal, Cirene, que fica uns 800 quilómetros para ocidente, já na actual Líbia. Para a extrapolação, este "mago das ciências" usou a diferença entre as sombras do Sol à mesma hora nas duas cidades... Se vos contamos este episódio, é porque a viagem deve prosseguir para a Cirenaica, a montanha verde da Líbia, que foi colonizada pelos habitantes da ilha grega de Tera, actual Santorini. Nessa diáspora foi, uma vez mais, a água que determinou a decisão: anos e anos de seca na ilha conduziram os autóctones à busca de outras paragens. Antes preveniram- se. Consultaram a pitonisa de Delfos, que lhes recomendou que se fixassem onde encontrassem uma fonte de água pura.

Os terianos navegaram para sul e ocidente. Quando avistaram a Cirenaica, o contraste com a planura semidesértica deve ter sido extasiante. As ruínas de Apolonia, esguias, espreguiçam-se ao longo de dois quilómetros, acompanhando a linha da costa. É difícil conceber melhor lugar para fundar uma cidade. Mas a verdade é que em Apolonia ficaram apenas alguns. A maioria subiu a montanha em busca da fonte recomendada pelo oráculo. Não podiam ter feito melhor... Os terianos eram todos do sexo masculino. Mas foram aceites pelas populações locais.

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