Fugas - Viagens

  • Camilo Azevedo
  • O Nilo, ao contrário do Tigre e do Eufrates, sempre foi um rio previsível. As cheias chegavam sempre entre Junho e Setembro
    O Nilo, ao contrário do Tigre e do Eufrates, sempre foi um rio previsível. As cheias chegavam sempre entre Junho e Setembro Camilo Azevedo
  • Baía de Alexandria, no Egipto. A cidade ficou célebre pelo seu farol e pela sua biblioteca, a principal do Mundo Antigo
    Baía de Alexandria, no Egipto. A cidade ficou célebre pelo seu farol e pela sua biblioteca, a principal do Mundo Antigo Camilo Azevedo
  • Plataforma dedicada a Apolo, em Cirene, na Líbia oriental
    Plataforma dedicada a Apolo, em Cirene, na Líbia oriental Camilo Azevedo
  • Souk da cidade de Alepo, no Norte da Síria
    Souk da cidade de Alepo, no Norte da Síria Camilo Azevedo

Continuação: página 6 de 7

Histórias do Mediterraneo III: O mar dos milagres


LEPTIS MAGNA
A Roma africana

Esta viagem pode bem terminar na Líbia, um país de areia com dois maciços verdes - a Cirenaica e, a ocidente, a Tripolitânia. Poderia cair o pano em Leptis Magna, a mais gigantesca ruína que os nossos olhos viram. Leptis Magna foi Roma no Norte de África. Capital de império com imperadores nascidos em África. O seu segundo fórum tem proporções impressionantes. Pense na Praça do Comércio, em Lisboa, e fica com uma ideia aproximada... se, entretanto, decorar as suas arcadas com górgonas, não vá o diabo tecê-las. Em Leptis Magna perde-se bem um dia, se o sol for comedido. E sai-se de lá apenas com uma ideia do que ela deve ter sido antes do ocaso.

Percebe-se a importância das fontes de água pura, como elas são, além de garantia de sobrevivência, uma marca distintiva de civilização e prazer. Percebe-se a inteligência do urbanismo e do desenho, no modo como a plateia do teatro se vira para o mar, ou como um belíssimo mercado se encontra estrategicamente colocado entre um e outro. Percebe-se como o Mediterrâneo combina prazer e poder, deleite e triunfo.

Percebe-se, até, como tudo tem um fim. Como não há impérios que durem para sempre. Mas esta certeza é a que se vê perto de Sirt, a meio caminho entre Leptis Magna e Cirene. Aí colocou Mussolini o seu arco do triunfo. Ele tinha prometido aos italianos um império de mil anos que resgatasse as glórias de Roma. Mas o arco, erguido em 1937, jaz hoje, envolto por terra calcárica. Alguma erva aí cresce. Ela diz-nos que o tempo não volta para trás.

O olhar que petrifica
Hoje espalhadas pelas ruínas do fórum de Leptis Magna, as medusas de pedra rodearam as arcadas do recinto, protegendo-o. Diz o mito que a Medusa era uma das três górgonas, filhas de Focis e de sua irmã Ceto. As suas duas irmãs eram imortais. Mas a Medusa compensava a sua efemeridade com olhos flamejantes e um aspecto terrível. Tinha cabelos feitos de serpentes, grandes dentes, e asas. Quem a olhasse de frente seria, de resto, imediatamente convertido em pedra. Perseu surpreendeu-a de noite e cortou-lhe a cabeça, e fugiu rapidamente para escapar à fúria das irmãs. Perseguido, salvou-se por se ter conseguido tornar invisível. Acabaria por entregar a cabeça da Medusa à deusa Atena, que a colocaria no seu escudo. Este mito foi levado à letra por muitos soldados, que, como forma de protecção suplementar, pintavam faces de Medusa nos seus escudos.


The great artificial river

Esta crónica poderia ainda acabar num reservatório do grande rio artificial. Há seis em funcionamento. Voltamos à água, portanto. Khadafi tentou, nos anos 70, exportar populações para os oásis. O plano falhou. E o regime mudou as agulhas: se os homens não vão até às aguas subterrâneas, então que estas cheguem ao litoral. A água armazenada desde o Neolítico é bombeada nos oásis e em seguida transportada, através de condutas descomunais, para os reservatórios do litoral. Aí deveria servir prioritariamente a agricultura. Mas, na realidade, a maioria vai parar ao consumo doméstico das cidades costeiras, onde vive 95 por cento da população.

--%>