Azibo
A praia improvável
Quem hoje trata do bronze e dá uns mergulhos no Azibo (a dois quilómetros de Macedo de Cavaleiros) não poderá imaginar que está na praia mais improvável do país. Encaixada entre as serras de Nogueira e de Bornes, a barragem do Azibo era uma das peças do complexo agro-industrial do Cachão, um projecto de Camilo Mendonça, membro do Governo de Salazar. O Cachão avançou, acabando por entrar em decadência no pós 25 de Abril de 1974, mas a barragem do Azibo só seria construída em 1982. Ao regadio acrescentaram-lhe o abastecimento de água. A vertente turística só chegaria em meados da década de 1990, com a praia da Fraga da Pegada (muitos hectares de areal e mais ainda de relvado), e mais recentemente (2005) com a praia da Ribeira (9200 m2 de areal). A separá-las (uma está localizada a nascente da albufeira, a outra a poente) estão cerca de 600 metros de água que os nadadores mais habilitados cumprem facilmente. Para uma praia improvável, com areia fina vinda de Zamora, pranchas de mergulho, gaivotas, barcos de remos, bares de apoio e tudo o mais a que uma (duas) praia(s) obriga - há mesmo seis nadadores-salvadores em permanência -, o melhor é mesmo ficar por lá uns dias e explorar também a ciclovia entre Salselas e a praia da Ribeira (15,6 km), os três percursos pedestres que dali partem, nomeadamente o trilho dos Caretos entre Podence e o Azibo, tudo isto aproveitanto a mata de carvalhos e sobreiros que cerca toda a albufeira. Raposo Antunes
Vale do Rossim
No tecto do mundo
Não havia ecoresorts. Havia víboras, abelhas, talvez ainda lobos. Os cães ladravam ao fundo da estrada, cães-leões, com sangue de pastor. Os pastores vendiam queijos em mão, coisa de palpar o cheiro, a serra como era há muito. Ao fundo da estrada começava o ziguezague para a barragem, uma praia no tecto do mundo. Lembro-me de não haver ninguém, mas talvez já não fosse Verão, água transparente, fundo grosso. E em volta aquelas pedras com forma de cabeça, cabeças gigantes. Agosto era mês de fogos, tendas, crianças, guinchos na água. Depois as férias acabavam, ia ser Outono. Um espelho voltado para o céu, mais alto do que qualquer outro. E em Dezembro, neve. Alexandra Lucas Coelho
PRAIAS URBANAS
Zambujeira do Mar
Vida de praia
A Zambujeira não é a minha praia. A Zambujeira é a minha vida. Cresci aqui, entre aparições da Ti' Maria Jacinta na mercearia dos meus pais a revelar-me, uma e outra vez, a sempre primordial revelação. "Sabes que fui eu que te fui buscar ali à praia, não sabes?". "Estavas numa cestinha no mar e eu trouxe-te para a tua mãe, vê lá a sorte que tiveste!" E tive. Com a mãe, com o pai, com a praia e com toda esta costa de prodígios. Por causa do meu mitológico nascimento, cada mergulho na Zambujeira é um renascimento. Reconheço à praia os traços da beleza mas é no seu mar que me torno religioso. Por isso, parece-me de natural redundância que lhe chamem maravilha. E, entre cada elevação, olhos na rocha, aquela lá ao fundo, quase no ar, quase ilha, aquela que dá o equilíbrio da perfeição a todas as fotografias. É o Palheirão e, para nós, é mais que uma rocha, é uma espécie de divindade, imagem que persegue todos os caídos sob o feitiço da Zambujeira, o símbolo de toda a presença, de toda a saudade, o coração da terra. Luís J. Santos