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De Manaus à Amazónia com o ecoturismo como salva-vidas

Por Amanda Ribeiro

Manaus é o ponto de partida para conhecer verdadeiros G.I. Joes de carne e osso. Navegámos em canoa, vimos jacarés, provámos tapurus e só não encontrámos onças. Para trás ficou o Brasil do "bumbum de mulata, do futebol, do Carnaval": o ecoturismo já é o presente.

António é o "Crocodilo Dundee", apresenta a guia Edi. Basta uma pequena travessia pelo rio Negro a bordo da canoa Pirarucú - nome de um peixe típico, apelidado até de bacalhau da Amazónia - para perceber a origem de tão afamado apelido. A bordo, António avista gaviões onde mais ninguém vê, curva-se na proa para as águas escuras e recolhe um pequeno jacaré; na selva, desbrava caminho de catana em riste, descobre, no fruto do inajá, nutritivos tapurus (larvas) com sabor a coco para o turista provar, assusta as tucandeiras, formigas com a fama, e provavelmente o proveito, de terem a picada mais dolorosa do mundo.

Deixa-se estar à conversa por breves momentos, enquanto corta pedaços de coração de boi para a pesca da piranha, mais uma das típicas actividades dos hotéis de selva de que o turista pode desfrutar. A gordura da carne vai para fora, a piranha não gosta. Depois há que seguir viagem. Quilómetros e quilómetros, a pé, no "grande laboratório que é a Amazónia", sempre sem mapas ou bússolas. Temos Edi, temos António. E se nos perdêssemos? "Fazia como o macaco." Como assim? "Tudo o que macaco comer, você pode comer. Se o macaco não comer nada... come o macaco." Sabedoria da selva ou chalaça? Não há tempo para experimentar.

Voltar para a canoa, navegar, ver à superfície apenas as copas das titânicas árvores que as cheias quase submergiram, virar à esquerda num corredor fluvial, ter a destreza de evitar galhos em cima, ao lado, em todo o lado. Seguimos o ziguezague topográfico que está na cabeça de António. "A gente sabe, né? Reconhece tudo", diz. Mesmo que tudo (nos) pareça igual.  "Não carece aí desse negócio de GPS, não carece não." Nem de relógio, por exemplo. Para saber as horas, o pai de António, o senhor Petrónio, ouve a selva. É caboclo, claro, tal como o filho, descendente de índios e de brancos, habitantes originais da Amazónia, região que, depois de décadas de volubilidade, começa a olhar para o turismo como um importante motor económico.

Com 37 anos, o trigueiro António é a personificação desta evolução. Vindo de uma família de canoeiros, cedo aprendeu a fazer barcos, ainda hoje uma das suas maiores paixões. Ao fim de 12 dias de trabalho no Ariaú Amazon Towers, hotel de selva localizado a 60 quilómetros de Manaus, regressa sempre à sua comunidade, onde tem um pequeno estaleiro. É lá, a 40 minutos de barco, que estão a esposa e os dois filhos estudantes. E lá, à boa maneira amazónica, as casas são em madeira, palafitas ou flutuantes, e recebem, como podem e como tão bem sabem, o rio Negro. Agora recuperam, certamente, da maior cheia do século, que afectou, até há escassas semanas, milhares de famílias ribeirinhas no estado do Amazonas.

Não é à toa que são o "povo das águas". Há duas Amazónias, incomparáveis entre si - a das cheias e a da seca, a mais temida pelos habitantes, a que não tem auto-estradas fluviais com canoas como jactos. "A água faz parte da nossa vida. Tal como os rios da Amazónia que, no seu curso, têm de contornar muita coisa, assim são os caboclos [do] Amazonas: nós contornamos e seguimos o curso como os rios." Resume Edi, também ela cabocla, também ela natural de uma comunidade, também ela dependente do "cheiro da selva", para onde regressou, para ser guia turística, depois de 23 anos como enfermeira. Já podia estar aposentada, mas não consegue fugir do nascer e do pôr do sol neste céu magistral, tão maior do que o nosso, onde parece ter nascido o mundo.

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