Mundos subterrâneos
Florestas densas, rios e lagos, montanhas, grutas e castelos - toda a região parece um cenário de conto de fadas, mas apenas Ogulin fez disso o seu cartaz. A pequena vila na encruzilhada de três parques nacionais assume-se como a "pátria dos contos de fadas": uma vez ao ano, um festival recorda-o; durante o resto do tempo a rota com esse nome faz com que esse legado, que nasceu da combinação das lendas da região com a obra de Ivana Brlic-Mažuranic, conhecida escritora de livros infantis ("o Tolkien croata") que aqui nasceu e aqui bebeu a inspiração, não seja esquecido. Chegamos cedo, apanhamos os ensaios de uma das peças de teatro, o palco ao lado do castelo cheio de árvores a fingir e personagens de outros séculos; já a rota, que cruza tradições e recantos mais belos da região com os contos de Ivana, fazemo-la sem disciplina.
No centro da cidade, vemos passar uma estranha viatura, como uma carruagem de comboio antiga movida a pedais: duas filas paralelas de gente a pedalar no que é "o turismo activo para a gente daqui", brinca Ankica Puskaric, directora do turismo local; e na ponte principal, sobre o "abismo de Dula", paredes rochosas por onde o rio Dobra desaparece para surgir muitos quilómetros adiante, faz-se rappel e zip line com máscaras de bruxas. Afinal, as bruxas são um dos elementos mais destacados do folclore local: diz-se que em noites de tempestade elas se reúnem no Klek, montanha de 1182 metros com forma de gigante deitado que foi o berço do montanhismo croata e é parque botânico, em barulhentos encontros com duendes e fadas à mistura. Porém as histórias contadas aqui de geração em geração metem também dragões e muitas divindades aquáticas, ou não estivessem a vila e arredores povoados de lagos (até um artificial, onde a canoagem tem pista olímpica e se nada do fim de Junho a meados de Agosto), lagoas e rios. Há uma certa ironia quando passamos a fonte Cesarovac, no Parque Rei Tosmilav, cujas águas são, dizem as lendas, fonte de juventude eterna para as mulheres - e vemos uma série de velhotas sentadas nos bancos. Mas o que importa é o lema: "viver como num conto de fadas".
Em terra "encantada" há mundos subterrâneos e a região de Lika-Karlovac é um paraíso para espeleólogos. Nas redondezas do Lago Plitvicka estão as grutas de Baraceva, que foram o berço do turismo espeleológico croata, em 1892. Uma está aberta ao público e nós, de capacete na cabeça, transitamos entre estalactites e estalagmites enormes (por vezes unidas em colunas) que preenchem as salas que se sucedem. No Parque de Grutas de Grabovac (um quarto dos sítios espelológicos protegidos da Croácia), a experiência que temos na gruta Samograd é distinta: esta é grandiosa, uma catedral de várias naves e ornamentos tão caprichosos que parece que somos seguidos por figuras do Velho Testamento, entre espirais e colunas - há água a correr em troços e a acústica é tão boa que se realizam aqui concertos.
Da guerra ao futuro
Não assistimos a qualquer concerto e até acabamos por não ir ao festival de Rastoke, mas temos a nossa dose de música. Uma parte em versão discoteca de província, que é igual a tantas outras discotecas de província em febre de sábado à noite, discos pedidos incluídos, mas aqui com insistência no género turbofolk; a outra parte em versão festa-de-empresa-em-hotel, em Slunj, para onde somos convidados depois de conhecermos o chefe, Tihomir Morvej, nome húngaro e desprezo pela música bósnia. "É só ‘ohohohohoh'", imita enquanto se ouve uma sevdalinke, onde pressentimos o espírito do fado. Apressa-se porém a sublinhar nada ter contra bósnios ou muçulmanos. "Sempre tive amigos muçulmanos", diz, "e num fim-de-semana estávamos todos a tomar copos e no outro eles foram combater do outro lado". Combateu cinco anos na guerra.