Há 20 anos, Dubravko Halovanic estava aqui. Porém, noutra vida que daria lugar a uma nova - arrancada a ferro e fogo. Pelo meio terminou um país, com uma guerra civil que se tornou numa guerra pela independência, e começou outro - o hoje, aqui, é o novo país, a Croácia, a encontrar-se com o passado para olhar o futuro.
Dubravko Halovanic passou pela resistência croata que se tornou no exército croata, onde terminou como brigadeiro. Agora é guia turístico. Não largou a farda e é nela que nos recebe no Homeland War Museum, algo como o museu da guerra da pátria como por aqui é conhecida a guerra que levou ao surgimento da Croácia como país independente. Para nós foi a Guerra dos Balcãs, o fim da Jugoslávia, o princípio de uma miríade de países. "Ainda não está bem claro o que aconteceu", admite Dubravko Halovanic, "foi caótico".
Este museu não é paragem habitual nos roteiros croatas, reconhece Halovanic, que até foi o seu impulsionador. E se começamos por aqui é porque o nosso circuito croata nos levou por terras que procuram descobrir um novo caminho, ainda na ressaca da Jugoslávia e da guerra, à espera da União Europeia. E o turismo é um dos rumos mais óbvios nesta Croácia dita "continental", toda ela (ainda) personagem secundária para a costa e as ilhas, os verdadeiros postais do país e retiros afamados de férias desde os tempos do Império Romano.
Seguimos de Zagreb para Oeste e para Sul, rasámos a Eslovénia e a Bósnia-Herzegovina (na Croácia raramente estamos a mais de 50 quilómetros de uma fronteira), sem nunca ultrapassar os Alpes Dináricos, essa barreira natural para lá da qual é o Adriático que espelha o céu. Do lado de cá, é um território eminentemente rural dotado de uma natureza pródiga, que foi encruzilhada de impérios e de lendas e agora quer tornar-se também uma meca de desportos (mais ou menos) radicais. Assim, à sombra de um castelo e sob a vigilância de um acampamento otomano pratica-se arco e flecha; as bruxas fazem zip line; em quad bike exploram-se parques; entre moinhos antigos faz-se canoagem e passamos em rafting por gargantas escuras; e, lentamente, sub-repticiamente, crescem grutas e desdobram-se lagos que fingem as Caraíbas no Verão para gelarem no Inverno.
Alma mediterrânea
Primeiro viajamos para a capital. Aterramos num final de dia de início de Junho, a temperatura já é de Verão e Zagreb porta-se à altura. É a Croácia continental com mentalidade mediterrânea que descobrimos nas esplanadas da rua Bogoviceva e zonas pedonais em redor, onde está o nosso hotel, a cem metros da praça Ban Josip Jelacic, que é um ponto de charneira entre as duas metades da cidade e a plataforma ideal para explorá-las. Do lado de lá temos a "cidade alta" (Gornji Grad) a mais antiga, herança medieval; nós ficamos na "cidade baixa" (Donji Grad), raiz essencialmente oitocentista, marcada pelos traços arquitectónicos dos Habsburgos.
É o último dia de um festival anual de Verão que atrai as multidões com que nos deparamos. A debandada vem cedo mas não é o fim da noite: reencontramo-la na rua Tkalciceva, a zona antiga de fachadas multicolores onde bares e restaurantes transbordam para as esplanadas, com a música à solta e burburinho surpreendentemente controlado - pelo meio vêem-se galerias de arte, lojas trendy, smartshops e uma série de esculturas vai pontuando a rua, destacando-se a de Marija Juric Zagorka, escritora e a primeira jornalista croata, e a Mulher à Janela ou "Mulher da noite", como lhe chamam os locais, numa alusão ao início do século XX, quando esta rua era o red light district da cidade.