Um castelo no lago
Continuamos no centro do centro da Europa, mas perdemos de vista a malha apertada do núcleo histórico de Vílnius, as avenidas largas das colinas para onde a capital se expandiu, a cintura industrial a toda a volta. O que temos agora são prados a perder de vista, rasgados por lagos de todos os tamanhos, ao fundo a floresta densa, aparentemente impenetrável.
Vinte e oito quilómetros de estrada e estamos em Trakai, que a esta hora do meio da tarde, já com a maioria dos visitantes em retirada, é o paraíso em lituano: uma península, três lagos, um número incalculado de pequenas ilhas onde se pode fazer praia quase secretamente, um castelo de tijolos vermelhos, e um mistério, o dos caraítas (ver texto nestas páginas), para deslindar.
É o programa perfeito há décadas, o típico passeio de domingo para meia Lituânia; para quem não é daqui, pelo contrário, é a ideia acabada de fuga às agruras do mundo. As casas são de madeira pintada de fresco - verdes, lilás, azuis-turquesa, como brinquedos -, os jardins a rebentar de tulipas e amores-perfeitos milimetricamente plantados à face da estrada, e nos restaurantes os pastéis de carne fumegam e pedem cerveja, mesmo a quem jurou nunca mais beber uma cerveja.
Do outro lado do lago, o castelo reconstruído a partir do original do século XV volta a sinalizar que estamos no centro do centro: o celebrado Grão-Duque Gediminas, que expandiu as fronteiras da Lituânia para Sul e para Leste, fez de Trakai a sua capital transitória em 1320, o filho Kestutis instalou a sua corte num primeiro castelo, e em 1400 Vytautas ordenou a construção da estrutura actual, numa ilha do lago Galve. Quando morreu, 30 anos depois, a Lituânia era um dos maiores impérios da Europa: estendia-se para lá de Kursk, a Leste, e quase até ao Mar Negro, a Sul. Nos séculos que se seguiram, sucessivamente engolida pela Polónia, pela Rússia, pela Alemanha e pela União Soviética, a Lituânia nunca mais voltou a ser o centro do centro e construiu a sua reputação de país invisível. Até àquele ano de 1989.
De Lenine a Dennis Oppenheim
Anos antes da proclamação oficial do centro da Europa num ponto a menos de 16 quilómetros de Vílnius, um jovem escultor lituano, Gintaras Karosas, começou a alimentar a ideia de um parque de escultura ao ar livre. Procurou o lugar ideal longe da poluição arquitectónica da capital, ao volante do Opel dos anos 1930 que tinha sido do pai. Em 1987, encontrado o terreno de 55 hectares numa floresta a menos de 20 minutos de carro de Vílnius, inaugurou o Europos Parkas; dois anos depois, o francês Jean-Georges Affholder confirmava a localização que um velho livro de geografia lituano do entre-guerras apontara como centro da Europa - exactamente a sete quilómetros do parque de Gintaras Karosas.
Cinco anos depois, o Instituto Geográfico Nacional francês corrigia os primeiros cálculos, aproximando o parque do centro da Europa (a distância oficial é agora de apenas 2,5 quilómetros). Parece um pormenor, mas não para Karosas, que acredita em milagres - milagres como o de ter esculturas de Dennis Oppenheim, Sol LeWitt ou Magdalena Abakanowicz no parque com que sonhou quando era miúdo.