Fugas - Viagens

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Lituânia, no centro do centro da Europa

Livros, cartazes, bandeiras, bustos, jornais, medalhas, condecorações, o carro da lotaria, o posto da propaganda - o acervo do Gruto Parkas é infindável e muito sovieticamente desorganizado. É um parque temático, não um museu, ainda que Viliumas Malinauskas tenha consciência do poder do seu empreendimento: "Este lugar reflecte o doloroso passado da nossa nação - um passado de sofrimento, tortura e perda. Não podemos esquecer ou rasurar a história - qualquer que ela seja".

Na Lituânia pós-independência, há um lugar onde essa história é levada ainda mais a sério do que no parque de Viliumas Malinauskas: o Museu das Vítimas do Genocídio, instalado no antigo quartel-general do KGB, em Vílnius. São os próprios locais a admitir que têm alguma autoridade para discutir o assunto: consta que por serem espertos e muito dotados para línguas estrangeiras, os lituanos eram a nacionalidade mais requisitada no KGB.

 

Judeus e caraítas: uma história de morte, outra de sobrevivência

Parecem criaturas vivas, as florestas lituanas - e são. Tardiamente exposta à influência do Catolicismo (foi o último país da Europa a cristianizar-se, em 1413), a Lituânia ainda é em parte território pagão - e as suas florestas cerradas, verdíssimas, têm a aparência de um mundo à parte, guardado pelos misteriosos totens de madeira do folclore local.

Mas nem sempre foi benigna, a interminável mancha verde que cobre 33 por cento do país e que os lituanos respigam religiosamente na Primavera e no Verão, nas campanhas de caça aos frutos silvestres e aos cogumelos que são de lei em todo o Norte do mundo. Durante os anos da ocupação nazi, entre 1941 e 1944, as florestas lituanas foram animais ferozes - ali perderam a vida, de um minuto para o outro, milhares de judeus, ali se extinguiu, de um minuto para o outro, um modo de vida.

É uma história de fulgor e morte, a do judaísmo asquenazita na Lituânia. Quando os nazis chegaram, a 24 de Junho de 1941, Vílnius ainda era um dos mais importantes centros judaicos da Europa, a Jerusalém do Norte - 75 mil judeus num total de 160 mil habitantes, cem sinagogas, seis jornais diários, e uma língua viva, o iídiche, que ali tinha o seu principal núcleo de investigação a nível mundial. Logo nos três primeiros meses da ocupação, 35 mil judeus foram executados na Floresta de Paneriai, a dez quilómetros da capital, às mãos do Einsatzkommando 9, uma unidade de elite das SS. O primeiro gueto, entretanto estabelecido numa pequena área do centro de Vílnius - o Pequeno Gueto, como ficou para a História -, teve vida curta: foi liquidado apenas 46 dias depois da sua criação, para dar lugar, a 6 de Setembro, ao Grande Gueto, extinto em 1943, altura em que mais 26 mil judeus foram abatidos na floresta e outros dez mil foram deportados para campos de concentração e extermínio. No final da Segunda Guerra Mundial, a comunidade judaica de Vílnius estava reduzida a seis mil habitantes.

Em Kaunas, a segunda cidade do país, a história não foi muito diferente: a sua proeminente comunidade judaica (cerca de metade da população, maioritariamente concentrada no subúrbio de Slobodka, onde se erguia "a mãe de todas as yeshivas") praticamente desapareceu do mapa entre 1941 e 1944. O Nono Forte, uma estrutura construída no final do século XIX numa colina sobranceira à cidade, para reforçar a fronteira ocidental do império czarista, transformou-se num campo de morte onde 80 mil pessoas foram executadas - judeus lituanos, mas também de toda a Europa Central e mesmo Ocidental. Ali terminou a sua marcha, por razões que ainda estão por esclarecer, o misterioso "comboio 73" que a 15 de Maio de 1944 partiu de Drancy, nos arredores de Paris, com 878 judeus franceses a bordo.

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