Hoje, o Nono Forte é o que resta de uma ferida num campo esplendoroso, pelo menos em manhãs de Primavera - há senhoras de tulipas na mão e judeus americanos de kippa de olhar fixo no enorme memorial de estilo soviético, evitando o fosso onde tanta gente caiu com uma bala na nuca.
Mas se a história dos judeus lituanos é uma história de morte - representam hoje apenas 0,1 por cento da população: 5000 pessoas, no total, a esmagadora maioria das quais em Vílnius -, há uma história paralela de sobrevivência que se conta à mesa, em Trakai, onde 12 famílias (cerca de 60 pessoas) asseguram a continuidade da minúscula minoria caraíta, ou pelo menos dos fumegantes pastéis de carne que para a maioria dos visitantes, lituanos incluídos, constituem o único contacto com um mundo desconhecido. Lá muito atrás no tempo, os caraítas lituanos - um braço particularíssimo da comunidade de judeus caraítas - saíram do Iraque com destino à Crimeia, onde em 1397 o Grão-Duque Vytautas foi recrutar várias centenas de homens para trabalharem como guarda-costas em Trakai, defendendo os dois castelos num dos períodos mais conturbados da expansão do território. Ficaram até hoje (e entretanto tiveram direito a um museu etnográfico).
Ao longo dos séculos, os caraítas lituanos puderam conservar, mesmo sob ocupação, a sua língua agora reduzida a cerca de 500 falantes em todo o mundo, a sua gastronomia (os kybynlar, pastéis em forma de meia-lua que são recheados e depois vão ao forno, são obrigatórios em Trakai - ver fichas), as suas casas com três janelas (uma para Deus, uma para a família, uma para o Grão-Duque Vytautas), e a sua religião, uma forma especial de judaísmo que não reconhece outra expressão da lei divina a não ser os dez mandamentos tal como revelados a Moisés, e que ainda hoje é praticada na Kenessa do início do século XIX (aberta a visitantes, ainda que não oficialmente).
É uma história de sobrevivência, repetimos, mas ninguém sabe até quando: a mais pequena minoria étnica da lituana está em retracção há décadas, e segundo as últimas estatísticas disponíveis não há hoje mais de 280 caraítas na Lituânia. O museu já existe - por enquanto, ainda é um museu vivo.
Guia prático
Quando ir
Há uma razão para estarmos a escrever sobre a Lituânia em Setembro: chove bastante menos do que em Agosto mas ainda não começou a nevar, o tempo continua quente mas há menos mosquitos a atrapalhar a aproximação aos lagos (para não dizermos a imersão nos lagos), e como tecnicamente esta já não é a época alta os preços dos hotéis desceram, os lituanos estão de regresso e cidades como Vílnius e Kaunas retomaram a sua vida social (boa altura para frequentar cafés e teatros, portanto - e a Lituânia é todo um caso à parte na paisagem teatral europeia, com pelo menos dois fenómenos de culto, os gigantes Oskaras Korsunovas e Eimuntas Nekrosius). O longo Inverno que se estende de Novembro a Março, com nevões furiosos e temperaturas quase sempre abaixo de zero, é um período a evitar, mesmo por quem anda à procura de férias de esqui. Com a abertura da enorme Snow Arena de Druskininkai (www.snowarena.lt), a Lituânia passou a dispor de três pistas (duas cobertas, uma ao ar livre) com neve todo o ano e uma vista indescritível sobre a densa floresta da região - uma vista que, garantimos, se torna ainda mais indescritível nos meses em que a luz do dia demora tanto a apagar-se que parece que vai durar para sempre. Já que falamos de florestas, outro bónus do mês em curso: Setembro é a época alta da apanha de cogumelos, um dos mais praticados desportos nacionais, e portanto a altura certa para ver a Lituânia em ebulição em qualquer um dos seus verdíssimos parques naturais.