Fugas - Viagens

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A cidade líquida e salgada que é um passeio marítimo

A situação começou a mudar no século XIX, quando a cidade também se alarga e se faz moderna, abrindo-se em ruas e praças ladeadas de edifícios modernistas construídos para glória da nova ordem social, com a burguesia na liderança. Ainda hoje os corunheses incham de orgulho perante as máquinas fotográficas em punho em frente da Casa Arambillet.

- Es bonita, no?

- Muito.

- Es preciosa.

Estamos a mirar o edifício, na Praza de Lugo, fachada branca e delgada, caixilhos bordeaux e ferro forjado. É um sopro elegante, que se distribui em cinco andares profusamente decorados. Não sabíamos que é a “casa do modernismo corunhês” — está para a Corunha como a Casa Batló está para Barcelona: com as devidas diferenças, desde logo a inspiração na tradição nórdica, que lhe dá um ar mais frio e geométrico — mas asseguramos que não passa despercebida. No rés-do-chão ultimam-se os preparativos para a abertura de um café, o primeiro andar é uma varanda, e depois há revisitações das famosas galerias corunhesas — não na até então (1912) madeira tradicional, mas em cimento. É uma das características comuns aos arquitectos que na época revolucionaram o rosto da cidade: recuperar elementos tradicionais e dar-lhes outro destaque.

Tradicional mas de rosto mudado é o mercado mesmo em frente, que ocupa o centro da Plaza de Lugo: construído no início do século XX em ferro, agora é um edifício moderno com galerias comerciais na parte de fora — há uma Fnac aí, uma série de lojas do grupo Inditex... Na Fruteria Maria, Carlos mostra-nos um dossier de artigos de jornal com décadas de histórias sobre o mercado — a mãe, que veio para a A Coruña em 1936, passou aqui “60 anos de trabalho, amor e resistência” e ele muitos desses anos com ela, tendo visto as três encarnações dele, incluindo a original.

Prefere falar do mercado ao invés das colegas do rés-do-chão, a peixaria, onde o coração hoje bate forte pelo Deportivo da Corunha, que joga a permanência na primeira divisão espanhola com a Real Sociedad. “Vamos Depor! A por ellos!”, “Ahora más que nunca: Fuerza Depor!”, “Si, se puede” lê-se em cartazes; bandeiras, cachecóis estendidos por todo o andar; as vendedoras passam de camisolas, chapéus, gorros do clube — o peixe e o marisco, “o melhor do mundo! Bueno, bonito y barato: los tres b”, asseguram-nos, quase passam despercebidos. “Se perdemos é terrível. Esperamos sempre pela última!”

Nem a Estrella Galicia, a cerveja regional, vestida com o azul e branco do clube e slogan auspicioso – Sentimiento de primera –, ajudará o “Depor”, que desce de divisão em casa, no Estádio do Riazor. Nessa altura, o violino de um músico de rua também parece lamentar o desaire — que será apagado pelas multidões que saem de copas y cañas e mesmo com cachecóis no pescoço não deixam de ajudar à animação em onda que toma conta de partes da cidade quando anoitece.

Até esse momento, a cidade palpita de esperança e nós percorremos as suas ruas “modernas” (para além da Calle Ferrol, que até há poucas décadas marcava os limites da urbe), prédios vulgares, muito comércio, algumas lojas fechadas e a loja inicial do império Inditex. É uma Zara, ainda hoje a marca mais emblemática do grupo de Amancio Ortega, que na Corunha se fez o terceiro homem mais rico do mundo, numa esquina da Calle Juan Flórez. Estamos a caminho do Palácio da Ópera, que é o mesmo que dizer à base do Jardim de Santa Margarita — a pedra nua do que foi uma pedreira agora com quedas de água a tombar em pequenos lagos abertos aos pés da parede. O edifício, que já foi o palácio de congressos da cidade, está como que encaixado nessa parede, em estilo neoclássico revisitado: enormes colunas na fachada principal e a toda a volta.

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