Fugas - Viagens

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A cidade líquida e salgada que é um passeio marítimo

Indianos, Franco e Che Guevara

Uma tapeçaria aquática rodeia a Corunha: sobejam rias — andaremos entre as da Corunha e Betanzos — e rios que, por caprichos da natureza, tornaram obsoletas algumas das povoações ribeirinhas. Depois de um dia que parecia a caminho do Inverno, hoje estamos a caminho de Verão e os corunheses a caminho das praias.

Nós vislumbramo-los enquanto percorremos enseadas tranquilas, com os azuis em concorrência, a desvendar caminhos da geografia caprichosa da área metropolitana corunhesa. Com surpresas como o maior retrato de Che Guevara fora de Cuba (numa rotunda em Oleiros); o pavilhão modernista (madeira e ferro) do início do século XX que foi um cinema na Corunha, testemunho do poder da burguesia, e em Sada é um café, restaurante e salão de chá; e o paço de Meirás, oferecido a Franco durante a Guerra Civil e que passou a ser, até à sua morte, a sua residência de Verão — só vemos por fora, passou a abrir ao público durante quatro dias por mês apenas desde Julho, depois de longo contencioso com a família do caudilho. Este não é o único paço na região — são cerca de 700, construídos entre os século XVI e XVIII; no entanto, a maior parte propriedade privada. O de Meirás até parece medieval, com torres e ameias, mas estas são adições do romantismo oitocentista.

De final de oitocentos e início de novecentos são as “casas dos indianos” que também polvilham estas paisagens rurais. São o equivalente às casas dos brasileiros em Portugal: residências de galegos que enriqueceram na América no século XIX e regressaram — nessa altura, nos países sul-americanos, todos os espanhóis eram conhecidos por “galegos”. São casas modernistas, com cores e decorações inesperadas, com jardins onde pontua sempre a inevitável palmeira.

Em Betanzos, a Galiza feudal e a Galiza “indiana” encontram-se: a cidade medieval, antigamente cercada por muralhas, coutada dos senhores de Andrade, expandiu-se no século XIX sob a tutela dos irmãos García Naveiro. O núcleo histórico da cidade, a parte mais alta — um antigo castro — é Conjunto Histórico-Artístico e constitui um dos mais impressionantes núcleos monumentais da Galiza. As suas ruelas, onde a vieira marca o Caminho de Santiago (inglês), igrejas e casas antigas compõem um cenário encantador, que se encontra bem reflectido no conjunto das igrejas de Santa María del Azougue e de São Francisco, ambas do século XIV, dois exemplares góticos em terreiro de pedra.

Fora das “muralhas”, a Praça Irmãos García Naveiro é agora o centro nevrálgico da cidade. Entre os edifícios, destaca-se a casa de Jesus García Naveiro. Arquitectura parisiense, facilmente poderia estar num boulevard, com a sua mansarda alta — alberga agora um café, Versalhes: Belle Époque na Galiza rural. Por toda a cidade, marcas da obra social e filantrópica dos dois irmãos que partiram da Galiza rumo a Buenos Aires aos 14 anos sem saberem ler nem escrever — escolas, asilos e, por exemplo, um jardim público, que foi o primeiro parque de diversões de Espanha: achavam que a educação era a melhor arma para todos, por isso fizeram aqui réplicas do mundo que conheceram para que as pessoas aprendessem passivamente. Entre o passeio dos imperadores de Roma e o dos reis de Espanha, marcavam-se encontros junto da pirâmide de Quéops ou dos Jardins Suspensos da Babilónia — era o Passeio do Passatempo, construído com os melhores materiais da altura (incluindo mármore de Carrara) e parcialmente destruído durante a Guerra Civil.

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