Fugas - Viagens

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A floresta de Sandokan é do tempo dos dinossauros

O ás das copas

Desperto com dois olhos minúsculos e negros a jogarem ao sério comigo. Toda a noite, a alvacenta osga não se moveu um centímetro. E esta não gracejava. “Conheci uma osga que ria – há muitos anos, na floresta de Taman Negara, na Malásia. Nunca mais a esqueci”, recordou José Eduardo Agualusa para justificar o porquê de atribuir a uma lagartixa a narração de O Vendedor de Passados. Já o presente oferece-me uma janela escancarada para o Éden, engalanado com todos os matizes de verde, ocultando mistérios e segredos nunca revelados. Os órgãos sensoriais remetem-me, uma vez mais, para o escritor angolano. “Na Floresta de Taman Negara, a luz é uma matéria fluida, que se cola à pele e tem sabor e cheiro.”

A ladeira descendente leva-me directamente ao rio Tahan, onde proliferam os barcos-restaurante e pequenas embarcações que unem as margens do caudal que corre cheio. A curta travessia deixa-me em solo sagrado de Taman Negara. Finalmente, estou entregue à mãe natureza, inebriado pelos sons quentes e por ténues feixes de luz que penetram por entre a frondosa vegetação. Sou recebido por macacos e pelo pipiar de aves cuja designação científica jamais memorizarei. Sem delongas, alcanço a famosa ponte suspensa, ou “canopy walk”, de Taman Negara. Esta impressionante obra de engenharia leva-nos a percorrer, durante quase uma hora, os 510 metros de extensão, tornando-a na mais longa do mundo. A caminhada entre árvores gigantes é realizada com a ajuda de passadiços elevados e instáveis, formados por madeira, cabos e cordas. Uma experiência que desafia a coragem mesmo de quem não se debate com vertigens – o caminho faz-se entre os 25 e 40 metros de atitude. O facto de abrir ao público apenas algumas horas por dia, quando a luz solar é mais intensa, implica uma demanda massiva e desagradável, com algumas normas básicas de segurança a não serem respeitadas, desvanecendo o efeito relaxante de se estar só e em contacto directo com a natureza. Gorada a diligência por uma intimidade maior com o reino selvagem, resolvi procurá-la no rés-do-chão, noutro ponto, depois de descer umas escadas de fazer parar o batimento cardíaco.

Os tigres andam por aí

Embrenho-me pela selva dentro, seguindo uma espécie de carreiro pedregoso e escorregadio ziguezagueante por entre um mar de intimidatórias árvores de raízes, descomunais e de difícil transposição. Rumo ao miradouro de Butik Teresek, a 334 metros de altitude, mas a caminhada (será escalada?) faz-se a tracção total, sob uma humidade sufocante que ensopa e embacia tudo à sua volta. Situo-me nas franjas do imenso parque nacional, espraiando-se por uma área cinco vezes maior do que a Madeira e do mesmo tamanho do Minho. São 4343km2 repartidos por três regiões malaias distintas. Atinjo o meu objectivo enquanto penso nestes números assombrosos. A visão desde Butik Teresk é arrebatadora: selva para lá do horizonte e de uma densidade assustadora. A mescla de calor com humidade faz-me delirar, levando-me a imaginar quantos animais ferozes não estarão ocultos na vegetação. Vem-me à memória a saudosa série Sandokan, o Tigre da Malásia. Poderia ser Ianes, o amigo português inseparável do herói que marcou a infância de toda uma geração. A série foi filmada na Malásia e na ilha do Bornéu, onde, na parte malaia, existe uma cidade com o nome... Sandakan. Coincidência? Segundo um estudo realizado neste parque, existem cerca de 1500 tigres em liberdade, muitos dos quais “andam por aí”, pode ler-se.

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