Fugas - Viagens

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A floresta de Sandokan é do tempo dos dinossauros

O desalento assenhoreava-se do meu estado de espírito quando, sobressaltado e de lanterna na mão, o guia salta do capot da viatura para segurar a longa cauda de uma enorme pitão. A descomunal cobra, a caminho dos três metros, não se debate, estando apenas interessada em prosseguir o seu caminho. O guia esforça-se por travar-lhe a marcha, esperando pelo segundo jipe, de modo a partilhar este encontro tão desejado pelos turistas. A pitão impacienta-se, dando mostras visíveis do seu desagrado. De máquina fotográfica em riste, estou a poucos metros da acção. A pitão abre as goelas ao jovem guia e este deixa-a cair no chão. O breu é total, um arrepio trespassa o meu corpo, ninguém sabe onde está o furioso animal. Aqueles cinco segundos pareceram-me uma eternidade, até que a luz do holofote ilumina o palco de uma batalha que termina com um vencedor óbvio. O guia é mordido no pulso e, acto contínuo, é transportado para o hospital na “minha” carrinha. Enquanto espero pela chegada do outro grupo de aventureiros que perdeu este tenebroso espectáculo, imagino se tudo não passou de um documentário fictício. Mas não. A natureza volta a dar uma lição: “A liberdade é um bem inalienável e não é privilégio do Homem”.

Ainda sobressaltado, revejo as imagens que captara, a maioria de forma casual. Disparava sem medir as consequências. Utilizara o flash para ver e não tanto para captar imagens. No regresso ao ponto de partida, avistámos, de fugida, um gato-leopardo asiático e uma outra cobra verde-fluorescente, quase imperceptível, a repousar nos canaviais. Apesar do tamanho reduzido, esta poderia ser venenosa, ao contrário da pitão. Estava ansioso por contar as desventuras à amiga osga. Sem sucesso: abalara para parte incerta e acabei por adormecer sozinho.

Índios e caras pálidas

Atribulada, a madrugada foi pautada por raios e coriscos, próprios do clima tropical, mas que serviram para atenuar uma humidade que entorpece corpos e matéria, que avoluma a madeira e os meus dedos. De manhã, preparo-me para uma jornada que promete ser de exigência física acentuada, fazendo fé a escritos e relatos.

Recorri a um guia para cumprir um caminho de hora e meia tangível pela maioria, mas que me poderia ser útil no interior da gruta Gua Telinga, como se veio a verificar.  O acesso não é recomendável a claustrofóbicos - as galerias são escuras, o chão escorregadio e pérfido e do seu âmago é expelido um odor putrefacto, justificado pelo amontoado de excremento de milhares de morcegos que ali vivem. O local é atravessado por um ribeiro subterrâneo que ensopa os membros inferiores, e, também, os superiores quando somos obrigados a rastejar. Não avistei o Batman, nem tão-pouco as cobras brancas que aí habitam e se banqueteiam à custa dos pequenos mamíferos voadores. São trinta minutos de algum suplício num sítio esconso, que se percorre com o auxílio de uma corda que ladeia as paredes cavernosas. Vejo finalmente a luz do dia após uma custosa saída a lembrar um parto difícil. A experiência é assombrosa. Se a repetia?

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