Fugas - Viagens

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A floresta de Sandokan é do tempo dos dinossauros

Enquanto cismo na resposta, sou assomado pela eterna questão do viajante incapaz de abarcar o mundo de uma só vez: esquerda ou direita? Neste caso, as cascatas de Lata Berkoh ou conviver com os batek, a tribo originária da Malásia e habitantes por excelência deste parque? Resta-me este dia para desfrutar de Taman Negara e parece-me que os rápidos pedregosos, a cerca de duas horas de barco (ou um dia de caminhada), vão ficar para outras núpcias.

Embarco num passeio memorável pelo rio Tahan. A canoa comprida e de fundo chato – com dois tripulantes, um capitão e um guia – passa veloz contra a corrente, esquivando-se das rochas com assaz mestria para gáudio dos turistas. Lagartos estirados sobre as rochas observam os movimentos ao largo, enquanto pássaros tropicais fazem a sua cantoria. Finalmente, a embarcação atraca numa pequena praia fluvial de pedras e areia grossa e morena. Encosta acima, um trilho conduz a um acampamento.

“Vamos visitar a tribo originária da Malásia e que há milhares de anos habita Taman Negara. Vão ensinar-nos a fazer fogo e mostrar-nos a táctica de caça, com dardos venenosos”, anunciou, Joe, com um entusiasmo que não partilhei.

Os orang asli, da família dos batek, fazem lembrar os pigmeus, devido à coloração das suas peles e, sobretudo, à baixa estatura. Nesta zona vivem entre 10 a 20 famílias  em casas abertas, protegidas por árvores frondosas, com camas de bambu elevadas de modo a evitar répteis e insectos. Vários dos seus elementos dependem em exclusivo do turismo, abdicando dos seus costumes e tradições. Dão lições rápidas de sobrevivência na floresta para gáudio dos caras pálidas, como se assistissem a um episódio de survive do destemido Bear Grylls. Faço gazeta à aula e enveredo pela floresta, buscando o centro da aldeia. Reservadas, as mulheres evitam o contacto visual, ocultando-se na densa vegetação como felinos predadores. Duas crianças nuas, como setas mortíferas, passam por mim a voar. Sinto-me como um fantasma ignorado no local, certamente habituado à presença de curiosos. Atarefadas, as mulheres tratam das habitações precárias, colhem frutos e vão à pesca. A caça fica  por conta dos homens. Um ancião fita-me com interesse. Apresenta-me um simpático binturong, uma espécie de mangusto, que não é urso nem gato, mas, antes, uma mistura dos dois. Afável, parece ser o animal de estimação do acampamento e de uma utilidade extrema, por se alimentar de pequenos roedores e, até, de algumas cobras, para além de folhas, frutas e ovos.

Desço o carreiro íngreme de volta ao fandango que se vive na sala de aula improvisada. Lá se foi o meu momento zen. Vários turistas de Taiwan continuam a friccionar uma espécie de liana em torno de um pedaço de madeira na tentativa de fazer fogo, tão essencial para quem vive na floresta. Depois dá-se uma espécie de concurso de tiro de dardos por meio de canudinhos. Não me parece lugar indicado para uma feira popular. Os indígenas divertem-se com a falta de arte e engenho dos visitantes. Questiono o guia sobre a viabilidade de me banhar no rio de águas opacas. Recebo luz verde e refresco-me nas águas tisnadas de castanho barrento que não deixa enxergar um palmo sequer. Do outro lado do rio, por entre a vegetação do Parque Nacional, uma inscrição numa tabuleta de madeira incorpora o significado de Taman Negara: “O que elas expiram nós inspiramos. Conserve-as!”

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