Katie Bowman, assistente do centro, conduz-me pelas salas que retratam a vida de Dylan Thomas, uma exposição que é um dos pontos altos do programa de comemoração do centenário do nascimento do poeta galês, e hesita quando lhe peço que escolha o seu poema preferido.
- Gosto de Do not go gentle, In my craft and sullen heart e Death shall have no dominion. Aprecio particularmente as imagens fortes que ele criou sobre a vida, o amor e a morte.
E a morte perderá o seu domínio / Nus, os homens mortos irão confundir-se / Com o homem no vento e na lua do poente; / Quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos / Nos seus pés e braços brilharão as estrelas
Na sala, na semipenumbra, passa um documentário baseado em testemunhos de muitos daqueles que se identificam com a vida e a obra de Dylan Thomas. Katie Bowman fica por momentos em silêncio, como se as suas palavras, embora elogiosas, pudessem ofender a memória do homem.
E a morte perderá o seu domínio / Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar / Não morrerão com a chegada do vento; / Ainda que, na roda da tortura, comecem / os tendões a ceder, jamais se partirão; / Entre as suas mãos será destruída a fé / e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento / Embora divididos eles manterão a sua unidade / E a morte perderá o seu domínio
Katie Bowman é uma grande entusiasta da divulgação do trabalho de Dylan Thomas e, a exemplo do que sucede com a maioria dos habitantes de Swansea, sente um enorme orgulho em falar do escritor.
- Verdadeiramente notável é a peça de rádio, Return Journey, na qual Dylan Thomas, enfatizando o carácter dramático, calcorreia a cidade após os bombardeamentos alemães durante a II Guerra Mundial. É a história de um homem desesperadamente à procura da sua infância e das ruas e dos prédios tal como eram antes de serem destruídos em apenas três dias.
Marina de cara lavada
Saio para a rua com a promessa de voltar mais tarde ao Dylan Thomas Centre, um espaço inaugurado em 1995, numa cerimónia que contou com a presença do antigo presidente norte-americano Jimmy Carter, grande fã de um escritor com um estilo muito pessoal, sempre focado na sonoridade das palavras e frequentemente visto como um sonhador solitário. “Dylan Thomas foi um dos maiores poetas do século passado e senti sempre uma grande afinidade com a sua poesia e literatura. Ao longo dos tempos, tenho vindo a defender a importância de se comemorar a sua vida e a sua obra.” Agora, Jimmy Carter pode ficar mais tranquilo: o Dylan Thomas Centre acaba de receber um donativo de cerca de um milhão de libras (aproximadamente um milhão e duzentos mil euros) proveniente da Heritage Lottery Fund, uma instituição que há dez anos apoia projectos em diferentes áreas em todo o Reino Unido – um total de 375 milhões de libras, qualquer coisa com 450 milhões de euros, anualmente.
Atravesso a elegante Sail Bridge, que liga as duas margens do Tawe, e detenho-me por instantes a contemplar uma pequena ilha onde, numa pequena casa em madeira, os patos gostam de se abrigar. A ponte, cujo projecto e construção não demorou mais de 18 meses, é hoje, com os seus 140 metros de comprimento, um verdadeiro ícone da cidade e o acesso privilegiado para transeuntes e ciclistas à renovada zona portuária, área residencial por excelência após um investimento total de 200 milhões de libras (240 milhões de euros) com o pomposo nome de Port Tawe Inovation Village. Se, 100 anos após o seu nascimento, alguma força divina devolvesse Dylan Thomas a Swansea, o escritor sentiria sérias dificuldades em reconhecer a cidade que o viu crescer em terna idade; e, ao mesmo tempo, tendo consciência de que nenhum outro motivo, a não ser a celebração de um ano especial para o poeta, me faria viandar pelas suas artérias, reconheço, humildemente e imbuído de um certo prazer, que a realidade é hoje bem diferente de um tempo em que ele, ébrio ou sóbrio (já lá vamos), a definia como ugly lovely city.