O aceno da manhã / Com as preces da água e o grito das gralhas e gaivotas / E o chocar dos barcos contra o muro emaranhado de redes / Para que de súbito me pusesse de pé / E descortinasse a imóvel cidade adormecida
O comboio lança um último suspiro e os passageiros enchem o cais de vida até que, de olhar perdido no cinzento do passeio ou no matiz de cobre de um céu ameaçador, todos eles envolvidos nas teias dos seus sonhos, cada um segue o seu rumo ao encontro da rotina diária na cidade que começa a despertar. Em poucos segundos, aquele frémito dá lugar à quietude e o silêncio, ainda que efémero, volta a abraçar a rua, concedendo-me serenidade para admirar, como um turista num museu, aquele quadro de cores vivas que tenho à minha frente, uns fartos caracóis que não cobrem umas orelhas proeminentes mas que emolduram uma expressão que teima em envolver-me com um olhar doce.
Solitário, apenas na companhia do estigma motivado pelas palavras de Dylan Thomas, o poeta nascido na ugly lovely city, parto à descoberta de Swansea sob a abóbada do mundo pintada de nuvens acasteladas, embrenhando-me pela, àquela hora, quase deserta High Street, em tempos a mais importante rua de comércio da cidade e actualmente alvo de um projecto de regeneração que envolve artistas locais. Na fachada de um prédio decrépito, um mural de cores vivas funciona como antecâmara para um conjunto de humildes casas em tons de pastel e, uma vez deixada para trás a Castle Street, em parte poupada pelos bombardeamentos durante a II Guerra Mundial, alcanço a Castle Square, dominada pelo seu castelo em ruínas. Erguido no século XIV, foi parcialmente destruído em 1648 por Oliver Cromwell, tenente-general enviado por Londres para colocar um ponto final na rebelião no sul de Gales e que, depois, se estendeu a outras zonas – um período que mais tarde justificou a designação de II Guerra Civil.
No outro extremo da aprazível praça, encimando árvores em flor e relva viçosa onde as mães dão liberdade aos filhos para brincar, um ecrã gigante mostra imagens de Abertawe – que significa “na foz do Tawe” -, como é conhecida em galês a cidade que Dylan Thomas me encorajou a não visitar na minha errância por um país com vastos motivos para ser percorrido. Mas, decidido a romper com essa imagem que se me plantava no cérebro e céptico em relação à ausência de estética de Swansea, avanço estimulado pelas promessas de abertura da cortina do céu. Lanço um olhar às casas sumptuosas em estilo Tudor (descendentes de galeses) que decoram um dos lados da Castle Square e, caminhando sem pressas, deixo que os meus passos me conduzam ao Dylan Thomas Centre, situado num imponente edifício em pedra, a curta distância das águas do rio Tawe.
- Dylan Thomas foi um grande escritor e o que mais admiro nele é a diversidade da sua obra, tendo em conta – não apenas mas também – a sua curta existência. Ele escreveu peças de teatro, poemas, contos e histórias infantis. E escreveu porque adorava escrever - e isso revela grande inspiração.