Volto a errar pelas docas, o sol teima em esconder-se e uma brisa convida-me a entrar no National Waterfront Museum, instalado num antigo armazém cuja construção remonta a 1901. É uma viagem por Swansea, pela sua história, com todo o impacto que teve nas suas gentes a industrialização, desde 1750 até aos nossos dias. No século XVIII, a cidade era um importante centro de fundição de aço (então conhecida como Copperopolis), beneficiando da sua localização e do acesso fácil ao longo do Canal de Bristol. Já no século XX, Swansea assiste ao declínio da sua indústria mas manteve algumas refinarias e pequenas fábricas, nada de significativo mas o suficiente para ser alvo da fúria da Luftwaffe, com bombardeamentos, em 1941, que transformaram a cidade em cinzas.
Deixo para trás o museu mas não tardo a fazer uma breve incursão num outro, a poucos minutos a pé, o emblemático Swansea Museum, com uma exibição permanente da vida e da obra de poetas nascidos nesta urbe com pouco mais de 230 mil habitantes. Em ano de centenário, Dylan Thomas assume o protagonismo no seu interior, com retratos fiéis dos seus tempos em Abertawe – o museu é tão antigo (fundado em 1834) que o poeta se refere a ele como “o museu que devia estar num museu”.
A baía de Swansea estende-se agora à minha frente e o cinzento do céu confere-lhe um certo misticismo. Mais para lá, recortando-se contra as nuvens, avisto Mumbles, erguendo-se tão próxima do mar e desde início do século XIX a praia eleita pelos locais nos meses de Verão, num tempo em que aqui chegavam as carruagens puxadas a cavalo do serviço do extinto Oystermouth Railway. No início destinadas ao transporte de carvão (só em 1913 foram exportadas 60 milhões de toneladas, colocando o porto de Swansea como um dos mais movimentados do mundo), foram mais tarde utilizadas pelos passageiros - um caso pioneiro -, transformando Mumbles num dos lugares mais concorridos da costa do sul de Gales. Gente famosa como Catherine Zeta-Jones ou Bonnie Tyler têm casas nas proximidades e Dylan Thomas era um dos grandes frequentadores de uma zona que inspira serenidade, ora ao lado de actores do Swansea Little Theatre ora (com mais regularidade) bebendo cerveja no Antelope, um pub que pouco ou nada mudou desde que o poeta era um dos seus melhores clientes.
A casa em Uplands
De volta a Swansea, da praia os olhos erguem-se até às suaves colinas, com as suas casas perfiladas numa organização exemplar. A subida é íngreme, exige algum esforço, mas revela-se compensadora quando, por momentos, me sento no tranquilo Cwmdonkin Park, bem ao lado de uma pedra que homenageia Dylan Thomas. Era aqui, por entre este manto verde, escutando o silêncio, que o escritor encontrava inspiração nos seus tempos de adolescente, tão próxima se situava a casa onde nasceu.
As cortinas são puxadas para o lado e a moldura da janela deixa ver um casal que sorri na minha direcção; foi precisamente nesse quarto, no número 5 de Cwmdonkin Drive, no subúrbio de Uplands, que nasceu, a 27 de Outubro de 1914, Dylan Thomas, por aqui se mantendo até completar 19 anos, numa altura em que já havia abandonado (três anos antes) a escola, à qual virava as costas com uma inusitada frequência por encontrar mais prazer na leitura. Sem qualquer distinção nos estudos, destacava-se pela sua facilidade de escrita, publicando inúmeros poemas no jornal da Swansea Grammar School, do qual se tornou editor pouco tempo antes do abandono precoce. Dylan Thomas iniciou então a sua experiência como repórter freelance no South Wales Daily Post e foi entre 1930 e 1934, ainda em Cwmdonkin Drive, que escreveu mais de metade dos seus 90 poemas publicados. O seu tempo livre era passado com os membros do grupo de teatro amador Swansea Little Theatre, no cinema em Uplands, em frequentes passeios pela baía de Swansea e, naquilo que acabou por se tornar um hábito, em muitos dos pubs espalhados pela cidade, ora nas proximidades do seu local de trabalho, em Castle Street, ora na sua área residencial.