Eu revejo o olhar de Patricia Daly subindo no céu, a dificuldade em esconder uma lágrima teimosa que a remete para a sua juventude, já lá vão mais de 50 anos.
- O poema Refusal to Mourn é um dos seus melhores. Quando o li pela primeira vez não fui capaz de conter as lágrimas. E lembro-me de que, na universidade, vários dos meus companheiros e companheiras se interrogavam: mas o que significa isto? Nessa altura, recordo-me bem, quase morria de pasmo. E sabe porquê? Porque todos eles estavam a tentar perceber o poema com a cabeça e não com a alma. Não tem de se perceber literalmente o significado de cada palavra. As palavras têm vida própria e, usadas em sequência, são como música para os ouvidos – e a música é compreendida através da alma e das emoções. A isto chama-se poesia. É galês, não é inglês. É celta.
Dylan Thomas, cuja obra é difícil de categorizar por nunca ter alinhado com qualquer grupo ou movimento literário, escreveu ou leu peças radiofónicas sempre em inglês (os pais eram bilingues e, enquanto criança, o poeta teve lições de galês por iniciativa do pai, David Thomas) e ao longo da sua juventude foi estimulado a melhorar a sua pronúncia inglesa. Patricia Daly continua a acompanhar-me, em espírito, enquanto passo por alguns dos pubs onde o poeta se sentava durante horas infindáveis, pelo No Sign Bar, na Wind Street, pelo Cross Keys e outros lugares hoje vocacionados para diferentes áreas de comércio.
- Ele era um galês perfeitamente consciente e orgulhoso da sua herança celta mas alguém que foi travado na sua vontade de aprender a língua do país – e mesmo conduzido a aulas para melhorar a sua locução em inglês. Mas basta olhar para o passado, para um tempo em que o galês era proibido nas escolas, para melhor se perceber que, sem o inglês, dificilmente um homem ou uma mulher galeses poderiam evoluir na vida.
As luzes tombam sobre a cidade, a noite cai rapidamente mas ainda lanço um derradeiro olhar ao enorme quadro do homem de caracóis, de orelhas fartas, com o seu laço e uma expressão afectuosa antes de entrar no comboio de regresso a Cardiff. Dylan Thomas, o génio, morreu em Nova Iorque e poucos dias antes do seu último suspiro terá declarado a um dos empregados do Hotel Chelsea: «Bebi 18 whiskies de enfiada. Penso que é um recorde.”
Ouço um silvo. O comboio parte, vagarosamente, deixando a ugly lovely city, para trás. E eu retenho palavras, palavras mágicas que, como dizia Patricia Daly, o corpo não percebe, como poucos terão percebido Dylan Thomas. Apenas a alma entende, as palavras e Dylan Thomas. E Swansea.
Não vás tão docilmente nessa noite linda; / Que a velhice arda e brade ao término do dia; / Clama, clama contra o apagar da luz que finda. /
GUIA PRÁTICO
Como ir
A easyJet voa entre Lisboa e Bristol por cerca de 140 euros (ida e volta) e, desde esta última, pode recorrer ao comboio para chegar a Swansea. Se evitar as horas de ponta, um bilhete (também de ida e volta) entre as duas cidades (percurso de cerca de duas horas) pode ser adquirido por 30 euros – vale a pena perder uns minutos visitando o website da First Great Western. Se preferir o autocarro, a Greyhound leva-o do aeroporto de Bristol a Swansea por apenas 12 euros. Como alternativa, a Vueling viaja de Lisboa para Cardiff, com uma escala em Barcelona, por aproximadamente 300 euros (valores que podem baixar drasticamente se adquirir a passagem com grande antecedência). Entre a capital galesa e Swansea, num trajecto que se cumpre em menos de uma hora, o bilhete de ida e volta custa menos de dez euros.