Há muito que Gonçalo Cadilhe dizia que “não estaria disponível para nada durante o ano dos 40”. A chegada “ao meio do caminho” seria dedicada exclusivamente “a si próprio”, para “festejar” esse marco e “fazer contas à vida: à que passou e à que esperava que viesse para a frente”, conta à Fugas.
Foi, por isso, mais um ano a viajar – “desde muito novo” que sabe que a sua “felicidade reside na linha do horizonte, ponto de fuga de todos os que trazem a irrequietude da viagem dentro da alma”, sublinha nas primeiras páginas – mas sem um contrato profissional definidor de destinos, prazos e experiências. A única linha orientadora era a concretização de um sonho antigo: correr o mundo no encalço das melhores ondas para fazer surf, uma paixão que o acompanha há tanto tempo que a considera “a coisa mais coerente” da sua vida.
Na verdade, como resume na obra, tudo começou com “uma provocação de um bom amigo: ‘Gonçalo, já seguiste os passos de Magalhães, já fizeste a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, já repetiste a viagem do achamento das Ilhas das Especiarias. Quando é que fazes a tua viagem?’”, aponta o autor.
A resposta não se fez tardar e o resultado desse tal “aniversário irrepetível” é agora partilhado com os leitores em “Passagem para o Horizonte”, nas livrarias desde este mês. O 11º livro de um dos viajantes mais conhecidos do país relata as histórias e reflexões desta “experiência tão pessoal e íntima”, olhada seis anos depois, já com um “interesse mais distante e menos envolvido”.
“A minha lista das melhores ondas do mundo levou-me a lugares que estão fora dos roteiros habituais do turismo e que, para o bem e para o mal, enriqueceram de experiências e de histórias este livro”, conta. Desde Jeffreys Bay na África do Sul a Arugam Bay no Sri Lanka, o périplo de Gonçalo Cadilhe passou por locais como Ponta do Ouro em Moçambique, La Libertad em El Salvador, Mount Irvine Bay em Trindade e Tobago, Honolua Bay no Havai, Kaikoura na Nova Zelândia ou Nias na Indonésia.
Ao longo das 268 páginas (e de dezenas de fotografias) desfilam as ondas de quatro continentes, um mês do ano vivido em cada sítio para que a Natureza tivesse tempo de se desenrolar épica no areal (só em Punta Carola, nas Galápagos, o mar não chegou a frisar).
Há muito surf, portanto, mas também novas amizades, reencontros, dicas de viagem (por exemplo, verificar os horários dos transportes de modo a não chegar de madrugada a um sítio novo, truques para utilizar em aeroportos ou controlos de fronteira, informação sobre os passes de avião Round The World, entre outros), inúmeras peripécias de viagem e reflexões sobre as situações que foi vivendo em cada local, o mundo do surf, “as questões universais de todos os seres humanos que chegam àquilo que consideram ser o meio da vida” e um “olhar sobre o futuro”, nomeadamente como “perceber as limitações [da idade] e saber lidar com elas”.
“A Austrália [Kirra] e a Califórnia [Rincon] foram lugares onde fui buscar pistas para perceber como é que eu posso orientar a minha vida e o que posso esperar como surfista, de maneira a continuar a ter essa fonte de emoções e felicidade que é estar no mar”, avança. No entanto, a memória que tem mais presente nem é da melhor onda em termos técnicos – a primeira, Jeffreys Bay na África do Sul – ou da que o “deixou mais feliz” – a última, Arugam Bay no Sri Lanka –, mas sim a “deliciosa expectativa do próximo destino”.