O veículo seguiu à velocidade de caracol por entre o caótico trânsito da área metropolitana. À medida que nos desprendemos da teia urbana, a auto-estrada fica desimpedida e bastam duas horas para percorrer os 145 quilómetros até ao povoado de Gubeikou, no noroeste deste país descomunal. Acidentado, o percurso intimida pelas descidas e subidas vertiginosas, e o gelo acumulado em pequenas lagoas e poças ao longo da estrada anuncia temperaturas indesejadas no exterior.
Sem pronunciar qualquer vocábulo em inglês, o motorista freia a viatura em frente à bilheteira. John já tinha adiantado serviço e só levámos o indispensável à jornada: capa para a chuva, água e máquina fotográfica. As mochilas ficaram na carrinha, que nos esperaria no final de uma caminhada de cerca de 12 quilómetros, em Jinshanling. O solícito guia encarregava-se de transportar o almoço.
Muralha sempre a crescer
John é um jovem gracioso. Comunicativo, expressivo e, sobretudo, genuíno. Estudou História numa faculdade de Pequim “e em casa, através da Internet e de livros”, conta o autodidacta descomplexado. A dimensão exacta da muralha continua a ser o tema do momento, alimentando a discussão entre os especialistas. Primeiro, media seis mil e tal quilómetros para, numa segunda contagem, aumentar para mais de 8850. E agora mais do que duplicou.
- O último estudo garante que, afinal, a estrutura tem cerca de 20 mil quilómetros de comprimento. A nova medida resulta de cálculos apresentados por topógrafos chineses que se juntaram para medir o monumento com a maior precisão possível, salientou, entusiasmado o guia de serviço.
Na verdade, os números até nem são recentes; já têm uns anos, mas, para John, são de ontem, frescos como a manhã que teima em não se abrir ao sol. A medida descomunal, cerca de meia circunferência do planeta Terra traçada pela linha do Equador, contempla todas as paredes alguma vez construídas, muitas delas já inexistentes. Isto porque, e contrariamente à crença popular, a Muralha da China é um conjunto de inúmeras fortificações, em que muitas nem se tocam, construídas ao longo de dois mil anos, por ordem de 13 dinastias. As muralhas erguidas a mando da dinastia Ming (1368-1644) são as que resistem em melhores condições, as mesmas que hoje são calcorreadas por milhões de visitantes.
- A parede Ming só foi medida duas vezes: a primeira por ordem do imperador Kangxi, em 1700; e, a segunda, em 2006. E, durante a avaliação, foram encontrados e identificados cerca de 43 mil (!) locais históricos, acrescentou John, com visível entusiasmo.
A aula de história ao ar livre prossegue a ritmo lento, enquanto, em grupo, nos aproximamos de uma parede que ao longe parecia de escala humana. Num plano sempre inclinado, a caminhada provoca algum desgaste físico e calor corporal, amenizados pela brisa gélida que sopra do Sul da Mongólia. A paisagem abre-se-nos em leque. Para onde quer que se olhe, os muros, altos, sólidos e imensos, acompanham as paredes da montanha, sinuosas, de altos e baixos, como o corpo de um dragão. Uma estranha sensação de pequenez assalta-nos o espírito. É impossível impedir a mente de viajar perante aquela paisagem esmagadora, aquele cenário imóvel, pincelado do verde-terra árido ao prateado sujo da muralha para terminar, mais acima, no cinza-chumbo do céu carregado de nuvens.