Fugas - Viagens

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Bordéus, o despertar da Bela Adormecida

Retalhos do céu manchado de meia-dúzia de farrapos de nuvens brilham nas águas serenas do Garonne e o Quai de la Douane, colonizado pelo silêncio, revela-se um lugar aprazível para perscrutar o rio ou, nas minhas costas, a magnificência da elegante Place de la Bourse. De olhar ora fixo no horizonte, ora no pequeno caderno de apontamentos pousado sobre os joelhos, um jovem solitário absorve os prazeres da manhã, de uma luz límpida.

- Estive uma vez em Bordéus mas era criança e não guardo uma única memória dessa viagem feita na companhia dos meus pais. Mais tarde, na minha adolescência, li ocasionalmente um ou outro artigo dedicado à cidade, sentindo-me atraído pela forma tão pungente como descreviam o conjunto arquitectónico do século XVIII, as fachadas clássicas dos seus edifícios, das mais belas em todo o país. Mas, por esta ou por aquela razão, sempre fui adiando a viagem, o regresso, digamos. Até ontem, conta Sylvain Serge Mignon.

Um pássaro pousa ao nosso lado, ergo o olhar e avisto uma chaminé fumegante; não corre um fio de vento na manhã que avança lentamente na sua quietude de fim-de- semana. 

- Não posso dizer que Bordéus me esteja a surpreender porque, pelo conhecimento que tinha, já esperava encontrar toda esta grandiosidade que nos rodeia. Mas está a superar as minhas expectativas – isso tenho de admitir.

À nossa frente, estendendo-se para um lado e para o outro, num total de quatro quilómetros, um longo passeio ribeirinho bordejando a margem esquerda do Garonne, irreconhecível se comparada com um tempo, não tão distante como isso, em que uma palavra resumia na perfeição o quadro que se deparava neste mesmo espaço: negligência. Parques de estacionamento caóticos, gruas e hangares delapidados moldavam a paisagem, em claro contraste com os dias de hoje: o verde sobrepondo-se ao cinzento, na forma de um parque onde não faltam as árvores, áreas reservadas aos jogos que seduzem as crianças, trilhos que cada vez cativam mais ciclistas e toda uma sensação de bem-estar que se dissipa com mais dificuldade do que as brumas que pairam sobre o rio.

- Bordéus tem monumentos grandiosos, edifícios, praças, cais. Todas as fachadas foram limpas, o centro histórico é perfeito para os transeuntes e está dotado de pistas para bicicletas, um pouco como Amesterdão. E não deixe de dar um passeio à noite, a iluminação é simplesmente soberba - convencera-me, umas horas antes, Gwenaëlle Towse-Vallet.

A importância do porto

Fundada pelos romanos no século III a.C., Bordéus conheceu nos últimos anos uma verdadeira metamorfose, semelhando-se a uma bela mulher que foi descurando a sua aparência até ao dia em que, olhando-se ao espelho, viu no rosto os contornos bem definidos desse desleixo e, decidida a não esperar mais tempo, sentiu necessidade de recorrer a um lifting capaz de lhe garantir uma segunda vida. Qual Bela Adormecida, a cidade, visitada por cerca de 2,5 milhões de turistas por ano, assiste a uma espécie de retorno a uma época dourada, mas um retorno ainda mais ambicioso e sustentado nos seus quase 400 monumentos classificados como Património Mundial da UNESCO que abarcam uma área de 1800 hectares (quase metade da superfície total). Definida, ao longo dos séculos, como a grande rival de Paris, Bordéus, com a sua beleza clássica, é um exemplo de estética que atinge a sua expressão máxima nas jóias da Place de la Bourse, dominada pela Fonte das Três Graças, e nas fachadas que, de olhos postos no Garonne, se projectam contra o céu numa extensão de um quilómetro e meio, transformando esta verdadeira continuidade estilística num caso único no continente europeu — e se estão viradas para o rio, logo de costas voltadas para a cidade, é porque foram idealizadas, desde finais do século XVII (e os trabalhos na praça prolongaram-se por dois decénios) para produzir nos visitantes uma impressão de imponência e de prosperidade.

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