Fugas - Viagens

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Bordéus, o despertar da Bela Adormecida

Bordéus vivera, no período medieval, um tempo de pujança que se apoiara no comércio com a Inglaterra e o Norte da Europa. Sob o domínio dos ingleses, a quem devem a reputação internacional do vinho de grande qualidade produzido na região — do outro lado do Canal da Mancha designado vulgarmente por clarete — , a cidade prosperou entre 1154 e 1453 mas é em pleno século XVIII, período em que conhece um segundo renascimento, que verdadeiramente se afirma.

Se o vinho continua, por essa altura, a ser a alma de Bordéus, o comércio com as Antilhas e a África, das especiarias e dos escravos, torna-se no seu coração, com batimentos cada vez mais fortes. Negociantes, marinheiros e armadores, todos eles têm, por essa altura, os olhos plantados na cidade, que não tarda a abrigar o porto mais importante de toda a França e o segundo no mundo, logo a seguir a Londres. Sentindo uma premente necessidade de rasgar novos horizontes, Bordéus começa, gradualmente, a desfazer-se do seu legado medieval e, obedecendo aos impulsos futuristas e visionários dos intendentes Claude Boucher e Louis-Urbain-Aubert de Tourny, com a promessa de recorrerem aos serviços de Jacques Gabriel, Primeiro Arquitecto de Luís XV, o Parlamento e os vereadores aceitam com benevolência a decisão de derrubar uma boa parte das muralhas seculares, de cobrir os fossos e de destruir as suas fortificações. A cidade-medieval, a cidade-fortaleza, caminhava com passos sólidos para se tornar na cidade-clássica: em poucos anos, Bordéus adorna-se com novas avenidas, parques, pavilhões e hotéis ligados ao sector privado, como se a metrópole se transformasse, de um momento para o outro, numa Primavera onde todas as flores desabrochavam.

Grandes obras

E como é agradável, a qualquer hora do dia, vê-las florir no Jardin Public, o elegante jardim inaugurado nessa época de glória, em 1746, mas desenhado de acordo com o estilo inglês um século mais tarde. A uns escassos 200 metros, integrado na área (um total de onze hectares) ocupada pelo pulmão verde da cidade, despontava o ainda mais idoso Jardin Botanique, catalogado meticulosamente e com quase 400 anos de existência (foi fundado em 1629), hoje transferido para o Bairro de la Bastide; já no regresso, quase à saída deste espaço banhado de tranquilidade e tão do agrado dos locais, o Museu de História Natural, alvo de obras de restauro e com reabertura agendada para 2016 — o famoso teatro de marionetas Guignol Guérin, o mais antigo (1853) de França, está por ali perto e é uma alternativa para as crianças e os adultos.  

Um pequeno desvio, para oeste, conduz os meus passos pela Rue de Fondaudège e, virando à esquerda, alcanço a Rue du Dr. Albert Barraud, ao encontro do Palais Gallien, as ruínas de um anfiteatro do século III e o mais impressionante de todos os vestígios romanos em Bordéus, uma cidade que a cada esquina, a cada olhar mais demorado, me vai parecendo mais encantadora do que nunca.

Aqui e acolá, enquanto as sombras nocturnas avançam rapidamente, vou recordando palavras de Gwenaëlle Towse-Vallet.

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