- Viste Ma Phyu Win? Ela anda por aí, às compras.
Pu Sue Sue percebe a minha hesitação.
- A noiva.
Fez-se luz sobre o meu cérebro apagado. Aquele sorriso, como uma dádiva, pertencia-lhe e, por breves instantes, cobri-me de vergonha por não ter reconhecido Ma Phyu Win.
- Vais ver o jogo, logo mais? A família vai estar toda lá, para apoiar Mg Kyi Soe, e tenho a certeza de que vão sentir-se muito felizes se perderes alguns minutos da tua vida para assistir à final do torneio.
A manhã ainda se espreguiça, limito-me a ser um vagabundo sem pressa, ora visitando pagodes dourados com as suas agulhas ameaçando furar o céu azul, ora entrando a medo em construções mais recentes, observando os monges a trabalhar, com um rádio de pilhas por perto, erguendo e baixando enxadas ao ritmo da música e sorrindo eternamente; ora perscrutando, como um turista num museu, à distância, o monge que toma banho com um fundo de roupas de uma tonalidade que me faz lembrar sangue seco, ora, mais à frente, vendo um grupo deles, divertido e fascinado, jogando à bola e tudo fazendo para que aquele objecto mágico não toque no solo.
E chego, sob uma abóbada já com algumas nuvens, a uma clareira onde identifico duas minúsculas balizas, uma bola, já gasta de tanto pontapé, bem no centro, uma vaca caminhando por aquele palco, não coberto de relva mas de terra e pedras que, de tão pontiagudas, ameaçam rasgar a pele. O jogo começa, Mg Kyi Soe, com a sua camisola de riscas brancas e azuis, publicidade da AirAsia no peito, número 7 nas costas, como Cristiano Ronaldo, não precisa de muito tempo para expressar a sua superioridade perante os outros. Corre, cai, levanta-se, o sangue escorre-lhe pelas pernas, olha na minha direcção, cabeceia, faz um sprint, cobra um livre, marca um golo, fita a câmara que carrego e, do outro lado, sentada sobre a terra que o vento sacode, por entre a multidão, a família festeja. Alguém, segurando o microfone, no final, anuncia o momento da consagração: a equipa de Mg Kyi Soe é a vencedora e, num misto de orgulho e timidez, Mg Kyi Soe, o melhor marcador, ergue o troféu contra o céu.
Alaung Sithu, o rei de Bagan no século XII, ou o Shan sao pha local, muitos anos mais tarde, nem desconfiavam, nessa altura, que os intha poderiam mostrar mais atributos além da capacidade de trabalho.
Como Mg Kyi Soe, um “filho do lago”.
GUIA PRÁTICO
Como ir
Há muitas maneiras de chegar a Rangum, na Birmânia, mas nenhuma companhia aérea oferece voos directos desde Portugal. Uma das opções mais económicas passa por viajar com a TAP até Amesterdão e, desde a capital holandesa, com a Singapore Airlines, com uma escala em Singapura antes de efectuar o percurso final, por vezes operado pela Silk Air, até à mais importante cidade birmanesa. A tarifa para um bilhete de ida e volta ronda os 940 euros mas, com um pouco de tempo, é possível obter preços mais em conta, viajando até Kuala Lumpur e, daqui, com a Airasia ou a Malaysia Airlines, até Rangum, onde poderá recorrer ao transporte aéreo ou terrestre para chegar ao lago Inlé — este último, embora mais demorado (cerca de 12 horas), é bem mais barato e permite-lhe, ao longo do trajecto, começar a identificar-se com a população local. Viajando de autocarro ou de avião até ao aeroporto mais próximo, Heho, situado a 35 quilómetros de Nyaugshwe, implica sempre o pagamento, à chegada, de uma taxa de dez dólares (cerca de oito euros), o que lhe confere o direito a visitar todos os locais turísticos (não há qualquer controlo e nunca lhe será pedido o comprovativo). A única forma de percorrer a distância entre o aeroporto e a principal cidade em redor do lago é de táxi — e o preço varia entre os 20 e os 30 euros. Com um pouco de sorte, poderá sempre encontrar outros turistas e reduzir a despesa mas, caso não pretenda correr esse risco, o ideal é reservar através do hotel onde pretende ficar instalado (por norma praticam preços mais apelativos).