Alaung Sithu, o rei de Bagan no século XII, puxou do sabre e abriu uma fenda na montanha que, imponente, se posicionava à frente da sua embarcação durante uma expedição pelas fronteiras do seu glorioso reino. De imediato, as águas do rio começaram a inundar o vale e, desta forma, nascia o lago Inlé, onde Alaung Sithu, acompanhado de 36 famílias, decidiu instalar quatro núcleos — e ainda hoje, quase mil anos depois, o lugar abriga quatro aldeias principais: Heya Ywa Ma, Nam Pan, Pan Pon e Naung Taw.
Na sua placidez e na sua quietude tão doce, o lago Inlé, um dos cinco lugares mais visitados na Birmânia, é uma fonte de inspiração e de lendas intermináveis que os 70 mil intha, os “filhos do lago”, se encarregam de preservar e popularizar.
Dois irmãos, nativos de Dawei, no Sul do país, chegaram a Yaunghwe (o nome original de Nyaungshwe) em 1359 para servirem, com a força dos seus braços, o Shan sao pha local (o senhor dos céus). O chefe tribal ficou de tal modo satisfeito com a capacidade de trabalho dos dois irmãos que, pouco tempo depois, convidou mais 36 famílias daquela cidade birmanesa — e é destes migrantes que descendem todos os intha que vivem em redor deste lago com 22 quilómetros de comprimento e seis de largura, abraçado por duas cadeias montanhosas, Sin Taung para leste e Than Taung para oeste, culminando a 1500 metros de altitude.
O menino, um dos descendentes desses pioneiros, com uma expressão sorridente, olhos negros como o carvão, dentro das suas roupas decoradas com dezenas de quadrados e uns chinelos nos pés, ensaia uma dança sincronizada com as raquetes de ténis de mesa que lhe oferecera na véspera; não tarda a cansar-se da coreografia e marcha agora à minha frente, como um soldado, para cá e para lá, erguendo os braços e as pernas com elegância e movimentos delicados, indiferente, como eu, ao rumor que sobe do rio sulcado por centenas de barcos ou aos transeuntes que calcorreiam a estrada de terra batida que se estende para lá do pátio.
- Brother, já lhe trazem a bicicleta. Um ou dois minutos, assegura-me Yin Yin.
- Obrigado, sister.
- O que quer comer hoje, brother? Peixe ou carne?
- É indiferente, sister. Deixo ao seu critério.
A criança senta-se ao meu colo, com o seu carrinho de plástico, sob o alpendre de ripas de madeira de múltiplas tonalidades da Four Sisters Inn, fazendo da minha perna uma estrada onde inventa curvas antes de Ma Pyone, outra das irmãs, o levar pela mão quando a bicicleta que alugara dobra a esquina.
Um casamento
Todos os sons pareciam amigáveis naquela manhã dolorosamente clara: o monge cruzando a ponte no seu passo vagaroso, a criança, despida de roupa e de preconceitos, brincando com a sua bóia improvisada nas águas escuras do canal onde as mulheres, sem erguerem o olhar, lavam as suas roupas, o ininterrupto vaivém de bicicletas que se movem silenciosamente e os cheiros intensificados pela humidade das águas banhadas pelos raios filtrados pelas folhas das árvores.
- Mingalaba, mingalaba – a saudação repete-se até à exaustão neste território onde o sorriso é eterno.