Fugas - Viagens

  • Cristina Castel-Branco
  • António Sacchetti
  • António Sacchetti
  • António Sacchetti
  • Cristina Castel-Branco
  • Cristina Castel-Branco
  • António Sacchetti
  • António Sacchetti

Onde a ria Formosa se lança ao mar

Por Margarida Paes

Fica no Algarve a última escala desta nossa série dedicada a miradouros portugueses.

O vento levante chega a Cacela ainda quente do deserto e sobe as muralhas rodopiando no adro da igreja, por cima da velha cisterna, envolvendo as guaritas do forte e continuando para Monte Gordo, a lembrar que o Sara está perto.

A marca mais forte de Cacela é islâmica — mesmo depois da passagem dos romanos e dos cristãos, Cacela permanece árabe. A aldeia Cacetalate Darrague ficava virada para nascente e descia a encosta onde ainda hoje vimos a muralha de taipa. O nome vem-lhe da família berbere Darrague Alcacetali e nela nasceu, em 958, o famoso poeta Abu Omar Darrag, secretário da chancelaria do califado de Córdova.

A igreja poderá ter tomado o lugar da mesquita, o forte, o lugar da alcáçova, mas a cisterna manteve-se sem alteração de função nem mudança de forma porque a água é vital neste lugar em que o calor, quando envolve, aperta, magoa e mata.

Saber recolher e guardar a água era (e é) uma forma de combater o calor — e vale a pena procurar as estratégias da água. As caleiras rematam os telhados em baixo para não deixar perder nenhuma água, correm por tudo o que é impermeável, terraços, pátios, açoteias, para recolher os parcos 500 milímetros de água que caem em média durante o ano. Era assim que se enchia a cisterna e a sua água dava vida ao Verão ardente.

Cacela olha para a ria Formosa de cima. Do muro caiado, capeado a pedra tosca, a vista é mar mais azul e é ria mais verde. Um areal separa as duas cores e a restinga toma aqui em Cacela uma nostalgia de adeus, é o fim da ria Formosa que começa em Faro. Lá em baixo, os barcos e a restinga que se prolonga ao longo da costa algarvia separando e defendendo a terra do verdadeiro mar, cobrindo-se de vegetação muitas vezes destruída pelas tempestades de Inverno. É uma paisagem que muda ao sabor da força do mar e onde só Cacela, a escadaria e os dois bancos que nos esperam encostados à parede sul da Igreja, se mantêm iguais.

A escadaria contínua e caiada liga a igreja à ria, onde as águas sobem e vazam com as marés, destapando as armações de ostras e amêijoas. Dizem que as ostras de Cacela são melhores que todas as outras. A defesa deste posto recuado tantas vezes atacado por piratas ficava assegurada com a fortaleza, e quem vivia nos campos de lavoura refugiava-se no forte.

Cacela concentra toda a beleza paisagística e arquitectónica do Algarve: a escala, o largo da igreja como miradouro rematado pelo muro arredondado, a fachada manuelina da igreja e o castelo pequeno de baluartes bicudos em alvenaria bem talhada de pedra dourada, as guaritas caiadas — e todo este conjunto se recorta no mar, não lhe faltando sequer poeta que cante a sua beleza e o seu perfume.

“Quando a aurora chega, dorme e guarda como avaro o seu perfume.
Quando cai a noite espalha-o e exalta-o.”
Ibn Darrag al-Qastalli (958-1030)

Cacela Velha
37º 09’ 25,03’’N, 07º 32’ 46,61’’W - VR Santo António          

Miradouros de Portugal
São 20 os miradouros destacados nesta série que vão levar o leitor a visitar, em Portugal continental, um “lugar elevado de onde se avista um horizonte largo”. São o nosso património das vistas: 
1. Penedo Durão
2. Nossa Sr.ª da Saúde
3. Forte de Almeida
4. Fragão do Corvo
5. Covão da Ametade 
6. Castelo de Montemor-o-Velho
7. Miradouro da Bandeira
8. São Pedro de Moel
9. Sítio da Nazaré
10. Pedreira do Galinha
11. Outeiro de São Pedro
12. Forte de Paimogo
13. Ponta dos Corvos 
14. Cabo Espichel
15. Castelo de Marvão
16. Forte de Nossa Senhora da Graça
17. Cromeleques dos Almendres
18. Cabo Sardão
19. Cabo de São Vicente
20. Cacela Velha

--%>