Fugas - Viagens

  • Nuno Ferreira Santos
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Nápoles: A sedução do mau caminho

Mas já lá vamos. Por agora continuamos no bairro erguido para amontoar as guarnições militares espanholas, ali estacionadas para reprimir quaisquer revoltas da população, e que desde cedo terão tornado o quarteirão num lugar infame, onde procuravam entreter-se numa perdição de prostituição, álcool e crime. Actualmente, é bairro pobre, de ruas sujas e poças de água, prédios velhos, descarnados, rabiscados a graffiti e restos de cartazes publicitários. Napoli colera, lê-se em spray negro numa das paredes.

O quotidiano tradicional está, no entanto, todo ali, num cliché concentrado da vida napolitana que nos mostraram tantos filmes. Numa esquina, uma mercearia transborda rua fora em caixas e caixas de legumes, frutas e ramos de malaguetas. Cá fora, um homem de boina, lá dentro, um velho robusto de chapéu arranja pacientemente verduras de um caixote para outro, restos caindo indiferentes no chão.

Na rua ao lado, um cesto desce em corda com a carteira da vizinha, que grita à varanda a lista de compras, tal como tínhamos visto em L'oro di Napoli, de 1954. No filme de Vittorio de Sica, é Don Rosario que deixa duas pizzas fritas no cesto de verga, enquanto a mulher, encarnada por uma sedutora e jovem Sophia Loren, continua a misturar a massa num balcão improvisado sobre o passeio (e tantos semelhantes, embora mais modernos, que veremos em cada esquina da cidade).

Pelas varandas, há roupa estendida à espera que o sol volte a brilhar a pique; velhas e crianças espreitam sorrateiramente por entre os cortinados. Sucedem-se botequins, trattorias (entre o restaurante e a taberna), lojas de roupa, de electrónica, de bugigangas, talhos, ourivesarias, cabeleireiros. Ali perto, os passeios transformaram-se em feira improvisada, de um lado caixas e alguidares de peixe e de marisco, do outro torres de sapatos e de roupa. O vaivém de carros e motas nunca pára, sempre na inquietação e apito fácil de quem não tem tempo para esperar que lhe saiam do caminho (aqui, como em toda a cidade, e deixaremos Nápoles com o corpo em sobressalto ao mínimo sinal de veículo motorizado).

De repente, ouvimos uma banda tocar, num ritmo alegre de filarmónica. Duas ruas abaixo descobrimos uma pequena procissão: a imagem de Madonna della Mercede (Santa Maria da Misericórdia) levada em ombros, os músicos de hábito branco, alguns fiéis atrás, vários turistas de máquina em punho. Reencontramo-la já noite cerrada, a descer iluminada a Via Toledo, com o cortejo religioso agora muito mais composto de gente, os miúdos da catequese vestidos a rigor. Já dizia Goethe que “aqui só é preciso andar pelas ruas de olhos abertos, e vêem-se cenas inimitáveis”.

No coração do centro histórico

A estátua alva de Dante acena-nos do alto do seu pedestal de poeta enquanto atravessamos a homónima praça em direcção ao bairro que o nosso mapa assinala como centro histórico, coração de um muito maior, alargado aos principais quarteirões da antiga cidade, que a UNESCO classificou como Património Mundial.

Um “local único”, cujo “tecido urbano actual preserva uma selecção de elementos excepcionais da sua longa e agitada história, como o seu padrão de arruamentos, a sua riqueza em edifícios e parques históricos, a continuação de muitas das suas funções urbanas e sociais, a sua localização maravilhosa na Baía de Nápoles e a continuidade da sua histórica estratificação”, lê-se entre os argumentos da organização internacional.

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