Ao nosso lado, então, a basílica omnipresente de quase qualquer ponto da cidade ou não pairasse a 287 metros de altitude — chegamos em hora de serviço religioso, mas é fácil perceber a influência bizantina nos mosaicos que forram o seu interior, explosão dourada. Na outra costa da colina, o teatro romano, ainda hoje palco de festivais, como o emblemático Les Nuits de Fouvière, três meses (Junho, Julho e Agosto) de música, teatro, dança e cinema; e aqui, algo escondida, a mini-Torre Eiffel, construída no final do século XIX como restaurante panorâmico e agora “torre de antenas”.
À mesa
Subimos e descemos de funicular para entrarmos no emaranhado de ruelas de Vieux Lyon, com a sua praça da Catedral Saint-Jean-Baptiste como ponto central. É o tradicional bairro histórico, lojas de souvenirs em abundância e restaurantes, incluindo os bouchons, lioneses de alma e coração, restaurantes tradicionais mais populares (nem sempre nos preços, sobretudo nesta zona), sujeitos a uma série de regras para que possam ser certificados (apenas 25 entre as muitas dezenas que existem na cidade) — em contraponto com os restaurantes bistronomic, onde o arrojo de sabores da cozinha moderna se combina com a cozinha tradicional.
Mas ainda ninguém, nesta cidade que tem a maior proporção entre restaurantes estrelas Michelin e número de habitantes, conseguiu destronar Paul Bocuse, verdadeira lenda viva da gastronomia e do orgulho lionês — isto apesar de já não estar à frente dos seus restaurantes, incluindo um três estrelas. Faz parte do ADN da cidade, muito além dos Les Halles, que leva o seu nome, onde, entre bancas de produtos frescos (queijos e charcutaria declinam-se em várias especialidades) e as de petiscos e restaurantes, a manhã vai a meio e já se vê quem coma ostras acompanhadas de vinho branco.
Da seda ao futuro
Damos um salto no tempo na Croix Rousse para visitar a cidade que foi capital da seda, desde o século XVI. Tudo começou em Vieux Lyon, mas quando chegaram os teares Jacquard, muito altos, a mudança foi inevitável. Na Croix Rousse os edifícios preparam-se para eles e aqui concentrou-se toda a indústria que agora é residual. Na Maison des Canuts (canut é o tecelão da seda) revisitam-se cinco séculos desta indústria. Vemos desde os casulos até ao trabalho nas máquinas Jacquard, passando pelos modelos das “fábricas” — concentradas num quarto onde se trabalhava e vivia — e terminando na loja.
E já estamos noutra ponta da cidade, na ponta da península, onde o futuro parece ser hoje — por exemplo, o bairro já é 80% auto-suficiente em termos energéticos. Numa zona artificial (a península terminava dois quilómetros antes) que foi industrial, ainda há resíduos dessa passagem, sobretudo à beira Saône, onde as gruas foram integradas na paisagem e antigos edifícios, como La Sucrêrie, foram reconvertidos para clubes da moda, galerias (e “casa” da bienal de arte moderna) e locais de concertos.
É deste lado que se erguem edifícios de escritórios, arquitectura moderna, cada um um mundo à parte (de formas, cores – do verde alface ao laranja, passando pelo negro), compondo um conjunto ecléctico, que termina num jardim. Um canal, onde um vaporetto faz umas das suas paragens de transporte público ao longo do Saône, separa esta zona do bairro residencial, que segue o mesmo arrojo arquitectónico, e onde se misturam habitações sociais com luxuosas.