Porém, o ponto final da península, onde o Saône morre para unir-se ao Ródano, é marcado pelo Musée des Confluences, que parece uma nave espacial assente numa ilha rodeada de viadutos e linhas férreas suspensas. Tornou-se um ícone da cidade desde que abriu, no final de 2014, pela arquitectura (do gabinete austríaco Coop Himmelb(l)au) e pelas exposições.
Feito de transparências nos espaços comuns e hermético nos de exposições, aqui apresenta-se uma vasta colecção em torno das ciências naturais e etnografia de todos os cantos do mundo. São quatro as salas onde se evolui desde a origem do mundo, passando pelas espécies que o povoam, pelas sociedades que formaram e terminando nas ideias de eternidade que os enformam. De esqueletos de dinossauro a imagens de Darth Vader, de múmias egípcias aos primeiros computadores, tudo cabe neste minimundo, onde Lyon (também) ensaia o seu futuro.
Guia Prático
Como ir
A Transavia voa todos os dias, excepto à sexta-feira, entre Porto e Lyon com preços a partir de 60€ (ida e volta); de Lisboa não há voos à segunda e à sexta e os preços começam nos 90€.
Onde dormir
Carlton Lyon Hotel - Na Presque’île, um prédio do século XIX alberga este hotel.
Fourvière Hotel - Perto do anfiteatro romano e da basílica de Notre-Dame de Fourivère, este hotel instalou-se num antigo convento – a recepção é a capela.
Onde comer
Café Terroir - Restaurante “bistronomic”
Bouchon Daniel & Denise - São três os bouchons do chef Joseph Viola, vencedor do prémio “Meilleur Ouvrier de France”.
Brasserie Le Sud - Uma das quatro brasseries de Paul Bocuse.
Estádio Parc Olympique Lyonnais
SAINT-ÉTIENNE
Entre o design e o futebol
“É impossível nascer em Saint-Étienne e não estar ligado ao futebol”, diz-nos um dos guias do Musée d’Art Moderne et Contemporain (MAMC, Museu de Arte Moderna e Contemporânea). Percebemo-lo assim que chegamos à cidade: não só é a que mais exibe o seu papel de anfitriã do Euro 2016, como a nossa primeira paragem é no Estádio Geoffroy Guichard, o “caldeirão”, onde jogam les verts. Não nos avisam que chegamos no 40.º aniversário dos poteaux carrés, como ficou conhecida a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1976 contra o Bayern de Munique — dia de festa, apesar da derrota, em que os postes e traves quadrados das balizas foram o bode expiatório. O clube acabou por comprar a trave e os postes de uma das balizas que agora exibe no seu museu.
O Musée des Verts abriu há dois anos e foi o primeiro de um clube em França. Tem espaço para exposição temporária (sem surpresas, os 40 anos da final europeia — com pessoas sentadas em sofás a ver o jogo), mas a maior parte é reservado à colecção permanente onde se passa em revista a história quase centenária do clube que mais campeonatos franceses conquistou (10).
Deixamos o futebol para trás e percorremos os quilómetros que ligam Saint-Étienne a Firminy, antiga cidade mineira e industrial e local de “utopias realizadas” através da arquitectura. Le Corbusier foi quem deu forma ao plano de criação de um novo bairro na cidade onde a arquitectura e o modernismo pudessem contribuir para um mundo melhor. Nesse mundo, a cultura seria acessível a todos, por isso é o centro cultural o ponto fulcral — e porta de entrada — do Site Le Corbusier (o maior da Europa, com quatro edifícios-monumentos, que constituem as suas últimas obras). Betão e vidro são os materiais utilizados neste edifício largo que se empoleira numa antiga pedreira e tem uma componente musical acentuada: o vidro é um instrumento que se pode tocar.
Este foi o único dos edifícios projectados que o arquitecto viu concluído (morreu em 1965) e a igreja de Saint-Pierre o último a ser terminado, apenas em 2002, do outro lado da pedreira. No vale entre ambos, passamos pelo estádio (um dos dois únicos construídos por Le Corbusier, o outro é em Bagdad). A visita guiada por Anne Berthe já espreita a hora de fecho quando chegamos à igreja.
Novamente betão, quase um cone, projectado para ser inundado de luz, que brinca em jogos coloridos que se desenvolvem ao longo do dia, os “cabelos de anjos”. A nave principal é o seu palco, com o tecto “furado” pela constelação Órion a este e por três “canhões” de luz a oeste. As salas desenhadas para actividades paroquiais são um centro de interpretação Le Corbusier (onde vemos maquetes do complexo habitacional projectado nas redondezas) e exposições temporárias (em breve Anish Kapoor). Ao lado da igreja, a piscina prevista no plano original de Le Corbusier, mas construída por outro arquitecto.
A arquitectura tem desempenhado um papel importante na renovação de St. Étienne — veja-se o seu Zenith, sala de espectáculos com assinatura de Norman Foster — e o seu museu de arte contemporânea não lhe fica atrás. É o segundo mais importante de França (a seguir ao Centro Georges Pompidou), abriu em 1987, começou por debruçar-se muito sobre a arte moderna, entretanto abriu mais espaço à arte contemporânea e também a jovens artistas, sobretudo da Europa do Leste e da Ásia (por estes dias, da Coreia do Sul). Entre a colecção permanente (que muda a cada ano) e as exposições temporárias há sempre “um diálogo permanente”.
E se começamos a visita pela exposição Mémoire de Jacques Villeglé não é só pela importância do artista de 90 anos mas também para observamos a dimensão do museu. De pé direito quase a lembrar as fábricas do passado-presente de St. Étienne (e não falámos do “invólucro” cor de carvão deste interior alvo), serve bem a escala urbana desta exposição de Villeglé. E aí está o diálogo com a exposição permanente actual, Arqueologia do presente, que explora o lugar do objecto nas grandes correntes artísticas do último século, e apresenta obra de algumas das “estrelas” do museu, Picaso, Duchamp, Léger, César, Warhol.
Primeiro foi a Escola Superior de Arte de Design (origem em 1803), depois veio a Bienal Internacional de Design (1999) e finalmente a Cidade do Design (2006). E, claro, nada disto esteve separado da história da cidade que foi um dos berços da revolução industrial francesa, meca da indústria pesada e metalomecânica e principal centro mineiro. Do início do século XIX até agora, a indústria entrou em declínio e o design floresceu ao ponto de St. Étienne ser a Cidade do Design da UNESCO.
Tudo agora se concentra, Cité du Design e escola superior, numa zona até há poucos anos interdita aos stéphanois, antiga fábrica de armas: mantiveram-se três edifícios, acrescentou-se um longo de arquitectura moderna e fez-se a ponte entre o passado e o futuro — com paragem no presente. A criatividade comanda e o sonho também: veja-se a exposição Culture interface numérique et science-fiction, confronto com filmes, séries, livros de ficção científica que, de certa forma, anteciparam e até formataram a realidade tecnológica.
Num anúncio no eléctrico lemos: “Em 1976, o design das balizas custou-nos caro. Actualmente, o design é a nossa força.” St. Étienne não é só futebol e não é só design — mas claramente estes estão no seu ADN e ninguém os quer perder.
Uma portuguesa em Saint-Étienne
Alexandra Custódio não pára. Parece ter uma energia inesgotável. Encontramo-la a meio da tarde no seu gabinete na câmara municipal de Saint-Étienne; tinha chegado do Brasil nessa manhã e ainda tem energia para nos guiar pela “sua” cidade. Em pouco tempo nos conta da sua chegada a França, com apenas seis anos, em 1978: um ano e meio em Perpignan, depois a mudança para St. Étienne.
As linhas gerais do seu trabalho — entre outras coisas, é vereadora municipal e conselheira no Conselho Departamental do Loire e está envolvida em várias associações portuguesas (foi, aliás, o seu labor associativo, “cresci nesse meio”, que lhe abriu as portas da política que poderá fazê-la ascender à Assembleia Nacional — será candidata pela UMP, o partido de Sarkozy, nas próximas legislativas) vamos descobrindo nas horas seguintes, em que aproveita também para falar da emigração portuguesa em França, na “sua” cidade em particular. Uma cidade cujo coração, assume-o, “bate ao ritmo do futebol”. Ela não escapa à febre futebolística e tem sido madrinha de todos os jogadores portugueses que passam pelos verts (como é conhecido o AS Saint-Étienne).
Quando saímos para a rua estamos no centro de St. Étienne, na Place de l’Hôtel de Ville, carrossel antigo, onde passa o eléctrico (um meio de transporte que chegou aqui no século XIX, quase desapareceu no século XX e agora voltou em força, “por questões ambientais”) que percorre 18 quilómetros. Quando tem visitas, costuma oferecer um passe, porque dessa forma os amigos vêem tudo nesta cidade que “tem sete colinas, como Lisboa” — nós estamos no vale central.
A nossa primeira paragem é na Weiss Chocolatier, algumas dezenas de metros na “rua do eléctrico”. “É obrigatório comprar os chocolates daqui”, afirma. É uma boutique histórica (de 1882), com uma imagem moderna onde tudo é feito artesanalmente. Os nougastelles, inventados por Eugène Weiss, em 1932, continuam a ser a especialidade da casa, ao lado das nougamandines, do clássico napolitain (1912), embalado em “modo de viagem” — é a recordação favorita — e do segredo de le pavé de la route bleu.
St. Étinne é uma cidade pequena e não estamos longe da zona noctívaga por excelência que também corresponde à minúscula zona histórica — chamam-lhe bairro, mas é pouco mais que um quarteirão que conflui numa rua pedonal empedrada, a Martyres de Vingré. Nela alinham-se bares, restaurantes, pequenas lojas de autor, esplanadas. Espera-se grande animação aqui durante o Euro, ou não fosse este “o bairro da festa, com ambiente familiar e gente simpática”, diz Valérie, uma das sócias do cabeleireiro de Alexandra (a outra é portuguesa): os bares, que vão do pub irlandês ao design mais apurado, terão a televisão sintonizada e Alexandra garante que alguns já buscam Super Bock. É neste bairro que ainda se encontram algumas das antigas casas dos passementieres, os tecelões que faziam as fitas, cordões e outros acessórios que ainda hoje estão associadas à cidade.
A próxima paragem é feita de carro — “embora se possa caminhar, seguindo sempre a rua do eléctrico” — no Puits Couriot/ Parc Musée de la Mine. Nós chegamos depois da hora de fecho (18h) e não tivemos acesso ao monumento histórico. A lâmpada dos mineiros é outro dos souvenirs incontornáveis da cidade, sublinha Alexandra.
A última paragem é a associação Portugais de La Loire. Não é a única associação portuguesa na cidade, mas a localização justifica uma visita. “Estão mesmo ao lado do perímetro do estádio e vão ter programação para quem não tem bilhetes, se a segurança não o impedir.” Ecrãs de televisão e sardinhada no quintal estão assegurados, neste espaço que tem um bar, onde se joga futebol, cartas e bilhar e se tem vindo a animar com a nova emigração. Mas Alexandra ainda dá dicas para comida portuguesa: O Minho, “mais requintado”, O Porto, “mais tasca, com prato do dia” (sexta-feira é dia instituído do bacalhau).
Guia Prático
Como ir
A Ryanair voa entre o Porto e Saint-Étienne aos domingos, segundas, quartas e sextas-feiras com preços desde 57€. Saint-Étienne está a 65 quilómetros de Lyon e a viagem de comboio demora 40 minutos.
Onde dormir
Hôtel Les Poteaux Carrés - Ao lado da estação de TGV de Saint-Étienne Chateaucreux.
Onde Comer
L’ Absynthe Café - Num dos extremos da “rua dos bares”, é restaurante e bar de tapas.
La Platine - Restaurante na Cité du Design.
Demains les Vins - Wine bar e de tapas, aqui privilegiam-se os vinhos de jovens produtores da região.
O que fazer
Numa cidade que teve na indústria a sua fonte de riqueza, o Musée d’Art et d’Industrie é incontornável. As bicicletas, as armas e os têxteis, que foram as suas maiores produções merecem cada uma um andar. Mas não nos devemos esquecer que estamos no Departamento do Loire, terra de castelos, aldeias paradas no tempo, o maior rio do país e entre dois parques naturais regionais (Pilat e Livradois-Forez) — tudo a curtas viagens de carro da cidade stéphanois.
Estádio Geoffroy Guichard
As linhas de eléctrico T1 e T2 param em “Geofrroy-Guichard”.
A Fugas viajou a convite da Transavia e do Turismo de Lyon e de Saint-Étienne