Paula Padovan, 38 anos, expressa-se fluentemente em português, apesar de nunca ter tido educação formal na língua. Enquanto guia turística em Zadar, uma cidade na costa leste do Adriático, tem muitos clientes que falam português, embora a maioria seja de origem brasileira. “Espero que isso mude nos próximos tempos”, diz, sorridente, demonstrando grande apreço pela língua que diz ter aprendido “pela Internet, com uma rapariga croata”. “Comprei um livro de gramática e de resto esforcei-me muito para adquirir o vocabulário”, prossegue. O seu conhecimento do italiano ajudou, o empenho fez o resto. E empenho é algo que rima muito bem com a Croácia, ou não tivessem o país, o povo e o Estado que se empenhar fortemente por uma cultura e uma identidade que, ainda hoje, não sobrevive sem um permanente confronto com um passado multifacetado que por vezes chega a parecer esquizofrénico.
Quis o destino que a data desta reportagem coincidisse com a data de uma efeméride importante: o Dia da Declaração da Independência da Croácia face à antiga Jugoslávia. Foi a 25 de Junho de 1991, há precisamente 25 anos, que o parlamento croata (Sabor) declarou em nome do país a sua separação da federação jugoslava. E quis o destino que esse dia seja também o do aniversário de Paula, que se recorda bem dos tempos em que o país estava mergulhado na guerra dos Balcãs. “Acho que esses tempos sombrios passaram, mas eu costumo dizer que não dou nada por garantido. Foram dias muito duros, Zadar foi bastante poupada, mas as marcas continuam cá, nas nossas ruas, em alguns monumentos, dentro de nós”, sublinha.
Não é preciso muito mais para se compreender que a construção identitária croata é um processo ainda em curso e que visitar a Croácia é mais do que passear por um país muito conhecido pelas suas mais de mil ilhas, algumas delas muito apetecidas pelo turismo que aprecia as cores tranquilas do Adriático. Em contraponto a essa tranquilidade, o país fervilha: ele é o processo de adesão à moeda única europeia, que pôs as finanças sob vigilância de Bruxelas; ele é o receio, remoto mas ainda presente na psique colectiva, de que as lutas na Bósnia entre sérvios muçulmanos e bósnios se reacendam; ele é o fluxo turístico que não dá sossego a cidades-emblema como Dubrovnik; ele é a aposta em novos mercados como o italiano, o russo e o português, que levaram a Croatian Airlines a abrir novas ligações aéreas directas para cidades como Lisboa; ele é, no que toca a Zadar, a eleição desta cidade como melhor destino europeu de 2016, distinção que em anos anteriores já foi atribuída a cidades portuguesas como Lisboa e Porto (duas vezes). Se no passado, a identidade local estava pressionada por sucessivos ocupantes ou invasores, desde os Venezianos ao Império Austro-Húngaro, passando pelos turcos e os gemânicos, hoje é a pressão turística que parece colocar os responsáveis croatas em frente ao espelho azulado da água do Adriático a perguntar: mar meu, mar meu, diz-me lá que croata sou eu?
Quem aterra no aeroporto de Zagreb não vai encontrar uma resposta para uma pergunta tão profunda. Mas à saída da aerogare arrisca-se a ser surpreendido. Porque quem deixa o terminal principal depara-se com uma paisagem incomum para um aeroporto de uma capital europeia: a habitual azáfama de carros, autocarros e toda aquela coreografia de partidas e chegadas desenrola-se em frente a um parque verde, cheio de árvores e bancos de jardim. O mais comum é ver florestas de parques de estacionamento, prédios de serviços e hotéis, uma floresta de betão e sinais publicitários. Por isso, o viajante que se prepare para a primeira surpresa. Que não responde a perguntas complexas, mas que o preparará para a descoberta de um país que parece apostado em combater a melancolia.